Lava Jato em nome de Deus 

Quem nos relata o ocorrido é o colunista do jornal Folha de S. Paulo, Bernardo Mello Franco, em texto publicado na edição desta terça-feira (28). Bernardo informa que o procurador da República Deltan Dallagnol, destacado membro da Operação Lava Jato, esteve nesta segunda-feira (27) em uma igreja Batista na Tijuca, Rio de Janeiro. Lá fez uma espécie de sermão onde revela que está participando de uma missão sagrada, conduzida por forças superiores (e não estamos falando da PGU).

fogueira

Deltan disse crer que Deus colabora com a Lava Jato, e afirmou: “Dentro da minha cosmovisão cristã, eu acredito que existe uma janela de oportunidade que Deus está dando para mudanças”. Deixando claro a que mudança se refere, Deltan pediu aos “irmãos” que entrem na página do movimento “Mude – Chega de corrupção”, mantida pelo pastor da igreja que frequenta em Curitiba. Nesta página o referido pastor faz o chamamento para manifestações em agosto, “contra a corrupção”, inclusive para o ato do dia 16 de agosto. Deltan Dallagnol asseverou ainda: “O cristão é aquele que acredita em mudanças quando ninguém mais acredita. Nós acreditamos porque vivemos na expectativa do poder de Deus”.

Uma missão sagrada

Ou seja, irmãos, estamos diante de uma verdadeira cruzada, onde o objetivo é derrotar a corrupção e quem a inventou: o PT, Dilma e Lula, tudo, ressalte-se, com o apoio divino. E diante de uma missão sagrada, aspectos mundanos devem ser solenemente ignorados, pois nada pode ser mais importante do que a vontade de Deus. Assim, mesmo um procurador da República pode atropelar direitos e princípios constitucionais, como o da impessoalidade, da isenção, do respeito ao devido processo legal, da presunção da inocência, pois nada está a salvo da santa fúria do cruzado imbuído de uma autoridade divina.

Homens de pouca fé

Talvez por não entender isso é que alguns juristas mais corajosos teimam em criticar os métodos da inerrante Lava Jato. Aury Lopes Jr., doutor em processo penal e professor da matéria na PUC do Rio Grande do Sul, considera que os métodos da operação são “uma releitura do modelo medieval, em que se prendia para torturar, com a tortura se obtinha a confissão, e, posteriormente usava-se a confissão como a rainha das provas". Outro homem de pouca fé é o ex-presidente da OAB-RJ e atual deputado federal (PT-RJ), Wadih Damous, para quem a Lava Jato usa de um “método perigoso e ilegal para a democracia, assentado, fundamentalmente, na espetacularização da justiça. Pouco importa, no caso, a decisão final com trânsito em julgado. Todos estão (pré) condenados, ainda que se prove o contrário. O quadro é de total desrespeito e violação dos alicerces iluministas do processo e do direito penal”.

Voltaire e o senhor feudal

Já que Wadih citou o iluminismo, lembremos as palavras de Voltaire: “Há fanáticos de sangue frio: são os juízes que condenam à morte aqueles cujo único crime é não pensar como eles (…) As leis são ainda muito impotentes contra tais acessos de raiva (…) Essa gente está persuadida de que o espírito santo que os penetra está acima das leis e que o seu entusiasmo é a única lei a que devem obedecer. Que responder a um homem que vos diz que prefere obedecer a Deus a obedecer aos homens e que, consequentemente, está certo de merecer o céu se vos degolar”. Mas nada parece deter os novos templários e o seu profeta, Sérgio Moro, que com o apoio e orientação de um poderoso senhor feudal – cujo castelo fica na Rua Von Martius, 22, Jardim Botânico, Rio de Janeiro – continuarão a saga em busca do Santo Graal, que todos já sabem qual é. Sobre este senhor feudal, lembremos mais uma vez o filósofo francês: “De ordinário, são os velhacos que conduzem os fanáticos e que lhes põem o punhal nas mãos”.