Israel anuncia colono para Embaixada no Brasil sem pedir agrément

Ex-chefe do conselho de colônias israelenses na Palestina ocupada, Dani Dayan há tempos pretende “estabelecer um braço diplomático” da instituição. Nesta quarta-feira (5), o premiê Benjamin Netanyahu nomeou-o embaixador de Israel no Brasil, mas o Itamaraty informou que não recebeu um pedido ou comunicação. Netanyahu atropelou o protocolo na sanha por, segundo ele, “melhorar as relações” com o país, no contexto do isolamento internacional de Israel.

Por Moara Crivelente*, para o Vermelho 

netanyahu e dayan - Times of Israel

O diário israelense Jerusalem Post dava um ar descontraído à notícia recebida com preocupação pelos movimentos brasileiros solidários à causa palestina. Um histórico líder das colônias israelenses – ilegais, segundo o direito internacional humanitário – foi nomeado por Netanyahu como o próximo embaixador israelense no Brasil, cargo hoje exercido por Reda Mansour.

Além da ficha preocupante de Dayan, que vive na colônia Ma'ale Shomron, o governo israelense atropelou um importante protocolo diplomático com o anúncio midiático. Quando da nomeação de um novo embaixador, é costumeiro que o governo espere pela concessão de um agrément – que seja aceito pela contraparte. A assessoria de imprensa do Itamaraty, entretanto, respondeu ao pedido de esclarecimentos por telefone afirmando que nenhuma comunicação foi recebida de Israel até a manhã desta quinta-feira (6), e que a Chancelaria brasileira está ciente do histórico de Dayan.

Netanyahu fez o anúncio afirmando que “a América Latina é um dos alvos centrais de Israel em nossos esforços para desenvolver novos mercados, que contribuirão com o nosso crescimento econômico.” Já o nomeado respondeu que aceitava o “desafio” de “aprofundar e melhorar as relações entre Israel e o Brasil” e “gracejou”, segundo o diário israelense, que não prometeria “dar a Israel uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.”

O diretor-geral do Conselho, durante a gestão de Dayan, era ninguém menos que Naftali Bennett, o virulento líder do partido da extrema-direita ultraortodoxa Lar Judeu, atual ministro da Educação e da Diáspora. Desde 2013, quando foi nomeado ministro da Economia e dos Serviços Religiosos por Netanyahu, Bennett tem se destacado internacionalmente por frases fanáticas e racistas.

Ofensiva diplomática em prol da colonização

Em 2010, Dayan e Bennett temiam o ilusório compromisso com o congelamento na construção de colônias, pressionado pelos EUA. O aliado de Israel colocava a questão, embora o fizesse retoricamente, porque a crítica internacional à expansão das colônias se fortalecia. Por isso, os chefes do Conselho Yesha planejavam “estabelecer um braço diplomático” para rebater a pressão, escreveu Barak Ravid, em 2013, no diário israelense Haaretz. Dayan e Bennett reuniram-se com Dore Gold, embaixador de Israel para a ONU e conselheiro diplomático de Netanyahu, para pedir orientação.

Gold os desaconselhou na empreitada de propaganda sobre as colônias nos EUA, mas a ideia não foi descartada, e Dayan seguiu para Washington. Desde que deixou o Conselho Yesha, escrevia Ravid, ele dedica-se a estabelecer o “braço diplomático” colonialista e a combater a solução de dois Estados para a questão israelense-palestina, conseguindo audiências com representantes dos EUA para o Oriente Médio e com o embaixador estadunidense em Israel. Já Gold foi nomeado por Netanyahu, em maio de 2015, o diretor-geral do Ministério israelense de Relações Exteriores.

Dayan coloca-se como um liberal secular, mas não só dirigiu o Conselho Yesha – uma espécie de superprefeitura para as mais de 120 colônias israelenses, que abrigam cerca de 600 mil colonos – como também defende o muro de separação construído na Cisjordânia e que rouba ainda mais terras dos palestinos, com 800 quilômetros de extensão e oito a 12 metros de altura. Uma expressão clara da segregação na Palestina ocupada. 

Ele gabou-se, em entrevista a Ravid, em junho de 2013, do "melhor tratamento midiático" à sua causa, mencionando, para a surpresa de ninguém, a cobertura do New York Times. Ele defendia que as colônias não são obstáculos à paz e que o mundo veria que a solução de dois Estados não é um imperativo, devido à encruzilhada do inócuo “processo de paz”: os colonos poderiam impulsionar uma solução alternativa, afirmou.

Não há espaço para dúvidas: Israel manteria o controle permanente sobre o que denomina “Judeia e Samaria” – o maior fragmento da Palestina ocupada e dividida, a Cisjordânia – e investiria na manutenção do “status quo” ao menos pelas próximas décadas. Isso significaria, está claro, a perpetuidade da violência, da ocupação e da afronta diária ao direito internacional por parte do regime militar israelense imposto aos palestinos, já que se trata da atual e insustentável situação.

Solidariedade à Palestina na América Latina

As posições de Dayan são completamente contrárias às do Brasil sobre a questão. O país reconhece o Estado da Palestina desde 2010 e mantém importantes acordos diplomáticos e comerciais com os palestinos. No âmbito da América Latina, à medida que os governos progressistas se fortaleceram, a causa pela paz, pelo fim da ocupação e pela autodeterminação palestina tornou-se central na política externa regional.

Um exemplo é a cláusula interpretativa impulsionada pela esquerda – inclusive pelo então senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) – para impedir que as colônias se beneficiem do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e Israel, que entrou em vigor em 2010. No ano seguinte, o acordo também foi assinado com a Palestina, posicionamento admitido pelo Itamaraty como político, já que expressa "o apoio dos Estados Partes do Mercosul ao estabelecimento de um Estado palestino independente e democrático, geograficamente coeso e economicamente viável, que possa viver de forma pacífica e harmoniosa com seus vizinhos,” dizia a nota emitida em dezembro de 2011.

Durante as ofensivas israelenses de 2014 contra a Palestina – principalmente contra a Faixa de Gaza – vários países latino-americanos protestaram formalmente. O grupo Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) posicionou-se contra a violência e a condena individual rendeu ao Brasil o ataque do porta-voz da Chancelaria israelense Yigal Palmor. Em julho de 2014, ele reagiu ao protesto brasileiro – a convocação do embaixador em Israel – classificando o país de “anão diplomático”. O presidente de Israel, Reuven Rivlin, ligou em seguida à presidenta Dilma Rousseff para se desculpar, e Palmor deixou o cargo em setembro.

A liderança israelense aflige-se devido ao fortalecimento da solidariedade internacional à Palestina, sobretudo, pelo fim da ocupação sustentada em violações diárias dos direitos humanos mais básicos dos palestinos. O movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), nascido de um impulso dos palestinos em 2005, também ganha espaço no mundo com a denúncia do regime israelense de segregação e, no Brasil, o apelo contra os acordos militares com Israel, por exemplo, se intensifica diante da crescente virulência na Palestina ocupada. Na segunda (3), o Itamaraty emitiu nota condenando o aumento da violência após o “ato terrorista” de um colono que matou o bebê Ali Saad Dawabsha em Duma, na Cisjordânia.

A nomeação de Dayan para a Embaixada israelense no Brasil é uma afronta e integra a estratégia de resposta ao crescente isolamento internacional de Israel. O papel de Dayan é diametralmente oposto ao posicionamento diplomático brasileiro, como já ficou verificado, e o anúncio unilateral da sua nomeação é mais um atropelo por parte do governo Netanyahu.