A saga de um órfão japonês criado na China por um casal de camponeses 

Youhachi Nakajima, órfão abandonado no nordeste da China durante a Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa (1937-1945) e também vítima da fome, numa altura em que tinha apenas três anos de idade, diz ter sobrevivido devido à bondade de um casal chinês de meia-idade. 

Chineses

Regressado ao Japão quando já tinha 16 anos, ele tornou-se um ativista dedicado à promoção da amizade entre os dois países.

“A minha família foi destruída pela guerra. Não teria sobrevivido se os chineses não tivessem me salvo. Sinto que preciso mostrar os meus agradecimentos aos chineses e deixar mais japoneses a conhecerem a bondade dos chineses”, disse Nakajima, em coletiva à imprensa, realizada no último sábado, em Pequim, para a promoção da versão chinesa da sua autobiografia intitulada Porque eu tenho esta vida: autobiografia de um órfão japonês (Why I Have This Life: Memoir of a Japanese Orphan).

Nakajima, de 73 anos de idade, decidiu contar suas experiências para ajudar a esclarecer mal-entendidos de muitos japoneses em relação aos chineses. Em abril deste ano, ele publicou 500 cópias da sua autobiografia em japonês às suas próprias custas. Ele desembolsou um milhão de ienes japoneses (cerca de US$ 8 mil), quase toda a sua pensão de um ano. O livro causou uma sensação no Japão.

A versão chinesa da sua autobiografia, publicada pela editora SDX Joint Publishing House, será lançada ainda este mês.

Escolha difícil

Em 1936, o Exército japonês de Kwantung realizou o projeto de mudar milhões de famílias de agricultores japoneses para a Manchúria, nordeste da China. Os pais de Nakajima estavam entre eles.

No entanto, após a morte do seu pai e de sua irmã mais jovem, a sua mãe estava pobre e desesperada e pediu a um local para procurar uma família que pudesse adotar Nakajima. Foi assim que a agricultora chinesa, Sun Zhenqin, se tornou sua mãe adotiva, mesmo sabendo que o menino veio do Japão, cujas tropas tinham invadido o seu país, a China.

A mãe biológica esperava voltar para o Japão com o filho, mas Nakajima preferiu viver com a
mãe adotiva na China.

Crianças como Nakajima eram chamadas “órfãos japoneses da 2ª Guerra Mundial”. O número total é estimado em mais de três mil. A maioria destas crianças vivia no nordeste da China e na Região Autónoma da Mongólia Interior.

Além de desenvolver fortes sentimentos pelos seus pais adotivos, Nakajima também sentia bondade dos seus professores, colegas e aldeões.

Reportagens publicadas pela agência de notícias japonesa Kyodo News indicam que os órfãos japoneses não foram tratados justamente na China, mas Nakajima diz categoricamente que “nenhuma coisa semelhante aconteceu comigo”.

Ele explicou que o governo local chinês ainda implementou medidas de proteção e educou os locais para evitar discriminação contra os órfãos japoneses.

“A mídia japonesa sempre publica reportagens negativas sobre a China e, agora, quase 90% dos japoneses não gostam da China, o que está em completa oposição à normalização das relações sino-japonesas desde 1972”, acrescentou ele.

Recepção fria em casa

A mãe biológica de Nakajima pediu novamente ao filho para regressar à pátria em 1958. Desta vez, Nakajima decidiu voltar para o Japão após uma conversa com seu professor Liang Zhijie. “Você pode ajudar na promoção da amizade entre a China e o Japão depois de regressar à casa”, disse Liang a Nakajima.

No entanto, quando ele tentou falar com os japoneses sobre a bondade dos chineses, eles sempre mostraram indiferença, recusando-se a mudar de atitude perante à China, e se negando a lembrar daquele período amargo da história.

Mais tarde, ele tornou-se membro da Associação de Amizade Japão-China e participou nos protestos contra movimentos anti-China liderados por partidos políticos de direita. Ele acabou na cadeia em várias ocasiões por estes seus esforços.

Diante dos mal-entendidos propagados pela mídia japonesa, ele decidiu escrever uma autobiografia para revelar o lado positivo daquela época histórica.

“Tenho sangue japonês nas minhas veias, mas o meu corpo cresceu com chineses. As duas nações são conectadas através do meu corpo”, disse ele.