"Apoiamos o governo, mas não deixamos de expor nossas opiniões" 

As crises política e econômica, os cenários de alianças visando às eleições municipais em 2016 e os desafios do PCdoB de Pernambuco para o pleito do próximo ano foram avaliados pelo vice-prefeito do Recife e dirigente estadual e nacional do partido, Luciano Siqueira, em entrevista à Rádio FolhaPE.

"Apoiamos o governo, mas damos nossa opinião crítica", diz Luciano - Felipe Ribeiro/FolhaPE

Leia a seguir a primeira parte da conversa.

Qual é o ponto central da atual crise brasileira?

Luciano – O cerne da crise é o fato de o governo não ter maioria sólida no Congresso Nacional, nem na Câmara nem no Senado. Porque ajustes da economia é a coisa mais comum no Brasil e no mundo inteiro. Crises econômicas como esta nós já tivemos diversas, passamos por muitas. Os indicadores econômicos do início do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso – não estou nem falando do final do segundo governo, pois ele entregou o Brasil quebrado ao presidente Lula – eram piores do que esses. No entanto, o presidente contava com maioria no Senado e na Câmara naquela ocasião. E da mídia também. Ora, a presidenta Dilma não tem maioria parlamentar, pelo contrário, e, infelizmente, o atual Congresso Nacional não tem contribuído para o enfrentamento da crise.

Eu tenho convicção de que o embate entre situação e oposição é indispensável para a democracia e acho bom que haja o conflito de ideias. Eu já fui deputado de oposição e na minha época, felizmente, os outros companheiros tinha uma postura mais serena, nós fazíamos a crítica às políticas públicas, mas não nos negávamos a ajudar a enfrentar os problemas que recaíam sobre a vida da população.

Penso que o Congresso Nacional erra, parte de seus líderes como o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves, tem declarado que o governo que resolva a crise. Não, eu acho que há espaço para o embate de ideias, para a crítica, e há um espaço imenso decorrente da responsabilidade pública de cada um de nós, a partir do próprio Congresso, para com a população e a Nação.

Então, não é possível que o mesmo Congresso que cria enormes dificuldades para aprovar medidas de ajuste fiscal para equilibrar a economia do país continua aprovando PECs (Proposta de Emenda à Constituição) e projetos de lei que oneram terrivelmente os cofres públicos. Então, é uma espécie de descompromisso.

Eles têm o poder de criar despesas para o governo por meio de PEC?

Luciano – Podem criar, porque a presidenta não pode vetar a PEC. Por exemplo, a PEC que elevou os salários do pessoal do Judiciário, da Polícia Federal, foi aprovada no momento menos apropriado. Equiparar o teto desses funcionários públicos que já ganham bem, já tem uma série de vantagens, aos ministros do Supremo Tribunal Federal, além de não ser exatamente um ato de justiça, penso que é inadequado para o momento que o país e o mundo vivem. Então, penso que se solucionar a questão política se resolve a questão da economia.

Tem um mês, mais ou menos, que vários gestos foram praticados. O presidente do Senado, Renan Calheiros, que mantém opiniões críticas essenciais ao governo Dilma, apresentou a Agenda Brasil, com a participação de uma parcela expressiva dos senadores, interagindo com economistas, empresários, etc. e se colocou numa posição construtiva, apresentou uma agenda não uma imposição.

Com alguns senões …

Luciano – Com alguns senões. Por exemplo, sobre o item que propunha que os usuários do SUS – Sistema Único de Saúde pagassem pelos serviços, ele já recuou no debate. A Federação das Indústrias de São Paulo, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, por meio de seus presidentes, de seus diretores, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), bancos como o Itaú e o Bradesco, entre outros grandes empresários de setores da economia do Brasil se posicionaram contra a falta de governabilidade. Vamos criticar o governo, mas é preciso garantir a governabilidade, garantir as condições do ajuste fiscal acontecer para que no final do ano, começo do próximo ano, nós possamos retomar o crescimento. Isso não quer dizer que esses setores passaram a se aliar ao governo, mas eles se colocam numa condição de cautela. Porque imagine se vira o caos…

A presidenta Dilma já anunciou há cerca de dois meses um ousado programa de parcerias com a iniciativa privada para pesadíssimos investimentos na infraestrutura porque o modelo de enfrentamento da crise mundial para resguardar a economia brasileira adotado por Lula e seguido por Dilma no primeiro mandato se esgotou. Era o quê? Valorização do salário, estímulo ao crédito e ao consumo, desoneração fiscal, ou seja, diminuição temporária de impostos para a indústria automobilística, de bens de consumo duráveis.

Isso para garantir o emprego, garantir o funcionamento da economia apesar da crise financeira mundial e funcionou bem até o final do ano passado. Só que no final do ano passado, a crise mundial se agravou e passou a atingir, dessa vez, os grandes países emergentes, as grandes economias em desenvolvimento do mundo, a exemplo da Índia, da China, da África do Sul, da Rússia e do próprio Brasil. A China, que há mais de 15 anos crescia 10% ao ano, está crescendo a 7% ao ano. Para o peso da economia chinesa tem hoje no mundo – o próprio FMI considera, de acordo com alguns critérios, a principal economia do mundo ou a segunda em relação aos Estados Unidos -, isso tem uma importância enorme.

O senhor disse que a economia dos Estados Unidos é muito dependente da economia chinesa …

Luciano – Sim. Dois terços da dívida pública americana hoje estão nas mãos dos chineses. Então, a economia é uma economia só no mundo. Não dá para pensar o Brasil como se estivesse dentro de uma redoma, isolado, que todos os males que nós estamos padecendo agora dependeria exclusivamente do governo. O governo pode ter cometido erros … eu mesmo não acho muito bom esse ajuste fiscal, em muitos aspectos. Eu e meu partido sempre tivemos uma opinião crítica, apoiamos o governo, somos solidários com o governo, mas não deixamos de expor nossas opiniões. O ajuste fiscal, por exemplo, na primeira tacada tirou R$ 80 bilhões de circulação da economia brasileira. Outra coisa que não tem nada a ver com o ajuste fiscal, mas que pesa muito sobre a economia brasileira são as taxas de juros elevadíssimas.

Os protestos em apoio a Dilma trazem críticas ao ministro Joaquim Levy. Como pode?

Luciano – Nós não temos essa posição. Nós apoiamos o governo porque vemos o conjunto da obra, vemos o programa, entendemos que a presidenta Dilma está fazendo um ajuste que não é o programa de governo. Ela tem cerca de quatro anos para realizar o programa do seu segundo governo, mas não deixamos de dar nossa opinião crítica sobre aquilo com o que nós não concordamos no governo. Sempre foi assim em qualquer governo. Foi assim nos oito anos com Lula e durante o primeiro mandato de Dilma. Nós sempre discordamos da política macroeconômica e da política de juros elevados. Cobramos também os setores da economia que basta falar em alguma alíquota de impostos ficam todos arrepiados, reagem violentamente.

Por que esses setores não reclamam dos juros altos? Por que existe impostômetro, como existe aqui no Recife e em outras cidades do Brasil, e não existe jurometro? Porque a elite brasileira se beneficia com os juros altos, não só os banqueiros, não só o sistema financeiro. Grande parte daqueles que tem seus investimentos produtivos tem uma perna na produção e outra perna na especulação. Então, ninguém critica. A própria grande mídia não questiona os juros altos. Então, há um desequilíbrio na compreensão dos problemas do país.

O Brasil é um país imenso, é a sétima economia do mundo, complexo, cabe muitas opiniões, cabe opiniões divergentes, cabe conflitos entre oposição e situação. Mas, cabe o bom senso e a responsabilidade para que nós supremos este momento crítico e retomemos o crescimento do país. Isso é um dever de todos nós.

Na segunda parte desta entrevista, Luciano avalia o cenário político nacional e local e as perspectivas do PCdoB de Pernambuco para as eleições de 2016. Leia amanhã.

Audicéa Rodrigues
Do Recife