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A poesia de Delmo Montenegro

Delmo Montenegro é poeta, ensaísta e tradutor. Publicou os livros de poemas Os Jogadores de Cartas (2003) e Ciao Cadáver (2005). Organizou, em parceria com o poeta Pietro Wagner, os dois volumes da antologia Invenção Recife (2004), que deflagrou o mapeamento da nova cena poética de Pernambuco em destaque na última década.

Foi um dos idealizadores, em conjunto com os escritores Fabiano Calixto, Marcelino Freire, Micheliny Verunschk e Raimundo Carrero, da revista de literatura Entretanto (2007). Seu livro mais recente, Recife, No Hay (2013) foi um dos vencedores do 1º Prêmio Pernambuco de Literatura, e finalista, na categoria Poesia, da 56ª edição do Prêmio Jabuti.

Letras Vermelhas traz uma série de poemas enviados por Delmo com exclusividade para o Vermelho.

Leia na íntegra:

The Calvino Song

inspiração é
(quando se trata da montagem
de livros na estante)
uma coisa amarela
— só curada à custa de azitromicinas
e à distância de chihuahuas —
por isso, caro signore D
recuso o seu belo convite
(que os novos bibelôs peguem fogo sem mim)

L’Étoile de Mer

Em 1883 Rimbaud retornou à literatura
com seu Rapport sur l’Ogadine
publicado no ano seguinte nos Comptes rendus des séances de la Société de Géographie de Paris

um texto científico, duro

de

rigor
etnográfico

sim

Rimbaud retornou

–––– nunca houve silêncio ––––

ainda vivo,

não
como queriam

De Luciano

de Samósata
virá a verdade — talvez —————————— ele pensa
entre animais sinceros
e conformados

de uma livraria argentina

de Samósata

— talvez —

no más

In the Bathroom

um
cubo
suspenso

sintetiza sua vida

— santo
da lâmpada
halogênica —

cosmético de luz
para os gritos reservados
(múmia da dor)

são simão
estilita

dos espelhos

entre silêncios domésticos
(apague com giz
o teu score
de ódios velados)

teu nojo
escorre

— íntimo —

pela
pia

baptismal

On the Beach

praia, sargaços, fezes
pasto verde enjoativo
equinóides em sua vida betônica
— sete anos passados em Ogígia —
fantasma em terno negro
dejetos de placenta,
calipso, baleia morta
decúbito ao sol
exposta ao vômito marinho
— nenhuma praia é o bastante
para apagar o ódio —
dez dias mais sete
dez dias mais sete
revolvendo o Siroco
dez dias mais sete
dez dias mais sete

a louca de Charcot
trocando as fraldas
compulsivamente
(o sal me abrindo as narinas)

pluteus

boca

ânus

football

desculpe a timidez
depois
de

tantos espancamentos

depois
do

clitóris vermelho
flamingo-fogo

da gira-pomba

— era preciso recortar ———— o que era inválido, suscetível de
———— emet, met, a indesejada das gentes

— aqui não é Cartago, você
não é Aníbal —

o gol
apenas o sonho esférico ———
depois de

tantos espancamentos ————

restam
apenas

os
dados

em passo de onça,

objetos ———————————————————— que convergem

mas

não amam

— estas são as leis da esfericidade —

algo em vc
q
simplesmente desanda
, e
corrói

— os planos —

desculpe
a minha timidez ———— eu não
sou sólido,
ou retícula o bastante
ou aberto como
vulva ———— impensável de reflexos
, violento como
narina

desculpe

meu passo não é ligeiro ——— espere