Argentina, uma encruzilhada definitiva

No próximo domingo (25) a Argentina enfrenta as eleições mais cruciais desde que o país retornou à democracia, em 1983. Nestes últimos 12 anos, com um mandato de Néstor Kirchner e dois de Cristina Kirchner, foram promovidas mudanças que demoraram mais de 50 anos para iniciar e que nenhum argentino imaginava viver para presenciá-las.

Por Guadi Calvo*, de Buenos Aires, especial para o Vermelho

Scioli e Macri - Nicolás Stulberg

Assim, todo o forte dilema, paradoxo e contraditório, o que não é estranho tratando-se de argentinos, é: “mudança ou continuidade”, mas ao contrário de algumas questões, a mudança representa abandonar as políticas de inclusão, de independência econômica e politica, de crescimento, de absoluto respeito aos Direitos Humanos. Ao passo que a continuidade é ratificar os 12 anos de governos kirchneristas, os doze melhores anos desde o golpe de 1955 contra o presidente Juan Domingo Perón, e sem dúvida para a maioria dos argentinos os melhores anos que conheceram.

A mudança, no entanto, convoca um retorno aos anos 1990, quando o neoliberalismo teve, na Argentina, um de seus melhores bancos de testes para aplicar todas as políticas que mais tarde levaram o país ao desastre. Na Argentina ensaiaram todas as políticas econômicas que anos depois exterminariam o famoso Estado de Bem Estar europeu e aniquilariam as classes médias da Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália… apenas por ora.

A mudança na Argentina representa negociar com os fundos abutres, voltar a endividar-se com o FMI, uma vez mais dar as costas às alianças fundamentais firmadas durante estes anos com os países da região. O guru econômico de Maurício Macri, candidato a presidente pela coalizão Cambiemos, não é outro senão Domingo Cavallo, ministro da Economia de Carlos Menem e Fernando de la Rua, responsável absoluto pela quebra do país, que agora articula as próximas políticas econômicas da Cambiemos, sob as sombras, já que é um personagem que sequer pode andar pela rua sem ser agredido pelos passantes.

Apesar das notórias diferenças entre a continuidade e a mudança, faltando apenas dois dias para as eleições os resultados não são claros. As pesquisas, ainda que apresentem um vencedor no primeiro turno: Daniel Scioli, vice-presidente de Néstor Kirchner e duas vezes governador da poderosa província de Buenos Aires, que representa a Frente para a Vitória, a aliança do governo da presidenta Cristina Kirchner, não é possível saber se seus votos são suficientes para triunfar no domingo ou se será necessário esperar pelo segundo turno, em 22 de novembro.

O sistema eleitoral argentino exige que, para ganhar no primeiro turno, se supere 40% dos votos e que o segundo colocado tenha mais de 10% de diferença, ou superar 45% dos votos. Se não alcançar nenhuma destas cifras, a eleição é definida em um segundo turno.

Considerando um cenário de segundo turno, seguramente Scioli com uns 39,5% deverá competir com quem hoje disputa pelo segundo lugar, outra das grandes incógnitas para o domingo: A Frente Renovadora que é encabeçada por Sérgio Massa, com cerca de 25% das intenções de voto, representa um conglomerado de peronistas que sofreram alguma rejeição da presidenta e não conseguiram se adaptar à dinâmica de desenvolvimento destes últimos 12 anos: líderes políticos, prefeitos e algum governador representantes dos setores mais reacionários do peronismo, o sindicalismo corrupto e um pouco mais. A outra alternativa, a que mais possibilidades tem de alcançar o segundo lugar no próximo domingo, é a coalizão Cambiemos, liderada por Maurício Macri, (28% das intenções de voto), chefe de governo da cidade de Buenos Aires desde 2008, um empresário multimilionário, cujo pai fez fortuna de forma desonesta negociando com a ditadura argentina (1976-1983). Mauríco Macri conta com diversos processos abertos, que vão desde contrabando agravado a escutas ilegais (entre elas contra o marido de sua irmã). Sem equipe de governo, sem estrutura, sem outro território próprio que não a cidade de Buenos Aires, encabeça uma aliança com o outrora poderoso Partido União Cívica Radical, que depois do fracasso de Alfosín e De la Rua, se desmembrou e agora, fiéis ao seu destino reacionário, encontraram em Macri um impulso. A campanha política de Cambiemos, baseada num slogan idealizado por um tenebroso assessor equatoriano de triste fama nos países por onde trabalhou, Jaime Durán Barba, mais que um candidato a presidente, parece promover uma pasta de dentes ou um shampoo.

Cambiemos conta com o apoio da mídia hegemônica, encabeçada pelo Grupo Clarín, o arquirrival do projeto kirchnerista, e com uma corja de juízes e fiscais que são o que o permitiu se manter intocado até hoje e elaborar a famosa e pouco exitosa Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que, não fosse por argumentos jurídicos, poderia ter protegido o grupo que conta com mais de 350 meios de comunicação em todo o país: rádios, televisões, diários, revistas e portais de internet.

O trabalho impávido do Clarín, que tem colocado todos os seus meios, 24 horas por dia, para vilipendiar o governo, legisladores, militantes e até familiares da presidenta, junto a um forte receio antiperonista das classes médias e altas da Argentina, é o que permite a Maurício Macri ter alguma esperança de chegar a um segundo turno, e talvez garantir o sucesso, uma vez que muitas imagens dão conta de que Massa, da Frente Renovadora, admite que caso haja um segundo turno entre Scioli e Macri, optaria pelo atual governador da província de Buenos Aires.

Domingo, ou melhor, nas primeiras horas de segunda-feira (26), 40 milhões de argentinos saberão se suas inquietudes terminaram ou terão que esperar um mês mais, embora tratando-se de argentinos… quem sabe.