Scioli é fruto da unidade do projeto kirchnerista

A disputa política na Argentina tem um ingrediente bastante comum ao da disputa brasileira. A tentativa dos candidatos da oposição de incorporar o discurso político do governo e se apresentar como uma proposta de continuidade com ajustes de rumos. E de outro lado, um candidato governista que não pode apenas apresentar uma agenda de continuidade, diante de um eleitorado que, de acordo com as pesquisas, quer mudanças.

Por Renata Mielli, especial para o Vermelho

Scioli com a esposa votando - Reuters

Este é o cenário das eleições que acontecem neste domingo (25) na Argentina e que tem em Daniel Scioli, Maurício Macri e Sergio Massa os principais protagonistas.

Rubén Dri, teólogo e filósofo argentino afirma que "Maurício Macri e Sergio Massa perderam a bússola. O que é patético, porque Macri se travestiu de Kirchner, de peronista. Ele perdeu a seriedade. É uma concepção que acha que o povo é bobo e aceita qualquer coisa. Antes havia ao menos seriedade ao apresentar um projeto de direita, que agora, durante toda a campanha eleitoral, eles tentaram esconder”.

Rubem Dri, teólog e filósofo argentino

Ou seja, “é uma campanha na qual os liberais de direita imitam o discurso do movimento nacional”, afirma o jornalista Gabriel Fernández, que avalia isso de uma maneira positiva: "não deixa de ser interessante ver que a direita tentar imitar o discurso do movimento nacional. Há aqui uma vitória cultural e ideológica ". 

Dri confirma a análise e complementa: "há uma hegemonia nesse sentido. O papel de Cristina tem sido fundamental. A campanha que estão desenvolvendo é muito inteligente. O candidato a presidente não nos dá todas as garantias, no entanto, ele é apresentado com um projeto que tem sido permanentemente avalizado. Em perspectiva, acho que o projeto vai ter continuidade".

O jornalista e ativista político argentino Osvaldo Jauretche, questionado sobre se existe confiança para este modelo no futuro, sob a liderança de Scioli, afirmou que "Daniel Scioli de início sofreu certa resistência, mas começa a ser aceito. Ele representa um compromisso da unidade. Kirchneristas mais críticos e outros setores de centro-esquerda se juntaram em apoio à continuidade do projeto popular e nacional através de Scioli. Este é um fenômeno circunstancial da política e que fez Scioli juntar os que estavam separados. Isso vai pesar sobre o futuro. De qualquer forma, vai haver pressão de todos os lados. O importante é que a união seja mantida e gere consciência para se tornar mais forte”.


Osvaldo Jauretche, jornalista e ativista político argentino


Sobre o papel de Cristina Fernandes de Kirchner depois das eleições, Dri avalia que ela “continuará sendo a principal líder. Seguirá exercendo sua liderança, porque este é um atributo que não se elege, se constrói. O kirchnerismo a sente como líder. A maneira como isso se dará, Cristina vai avaliar. As contradições são muitas e nos momentos principais ela estará presente.

Os indecisos e a disputa econômica no centro do debate

Assim como no Brasil, a decisão das eleições na Argentina está na mãos dos indecisos, compostos principalmente por eleitores que fazem parte da classe média que melhorou suas condições de vida desde com o kirchnerismo, que passou a ter melhores condições, que compraram suas casas, automóveis, que conseguiram adquirir computadores e ter acesso à internet.

Osvaldo Jauretche avalia que o posicionamento deste segmento é fruto de “150 anos de colonização cultural. Também é produto de uma economia historicamente marcada por forte dependência externa, que gera uma classe de sociedade, uma elite, que vê a Argentina de fora para dentro e que se comporta como a elite internacional, sem se dar conta que para os poderosos de fora, eles próprios também são 'cabecitas negras'. Isso é influência da ideologia individualista do império”.

Osvaldo se refere ao olhar preconceituoso e segregacionista com o qual a elite argentina vê os trabalhadores, os segmentos populares, as populações indígenas, negros e os imigrantes: os 'cabecitas negras'.

Jauretche ressaltou que há um setor social que está sob a influência dos representantes dos interesses internacionais, onde muitos – inconscientemente – pensam nestes termos. A extrema esquerda diz que a realidade não modifica o pensamento. A direita tem uma consciência política mais prática. É uma faixa importante do setor rentista, gerentes de multinacionis que dominam um amplo setor social, que também dominam os meios de comunicação através da compra de espaços publicitários”.

O centro da disputa nesta eleições se dá em torno de dois modelos econômicos: capital produtivo contra o capital especulativo. O primeiro modelo é a base das políticas do projeto kirchnerista e o segundo o retorno ao paradigma neoliberal. O ex vice-presidente da PJ Morgan na Argentina, Hernán Arbizu, avalia que este foi um dos temas mais importantes dos anos Kirchner, que denunciou os “reis do mercado financeiro” e procurou confrontá-los com políticas produtivas e políticas de geração de emprego e renda. “Essa foi a mais importante conquista. Bem como a inclusão do Abono Universal por Filho. Porque não basta desmascarar é preciso avançar em políticas, caso contrário, não tem condições de fazer nada”, disse.

Apesar disso, exemplifica Jauretche, "outro dia, o jornal estadunidense A Nação publicou algo muito elogioso ao governo de Cristina e Néstor Kirchner, mostrando que estes anos tiveram uma importância internacional, até mesmo para aqueles que nos olham com desdém. É uma realidade. O Kirchnerismo teve a visão e vontade política para dar soluções peronista dentro de uma circunstância política bem particular na Argentina. Foram bem sucedidos. Muitos votos que não são simpáticos ao peronismo vão seguir apostando neste modelo, votando em Scioli".