A poesia de Casé Lontra Marques
O jovem poeta Casé Lontra Marques, assim como muitos outros de sua época, publica parte de seu trabalho em seu blog pessoal. Mas além disso, já contribuiu com diversas revistas e periódicos eletrônicos especializados em poesia, entre eles a Zunái.
Publicado 06/11/2015 14:52 | Editado 13/12/2019 03:30

Fluminense de Volta Redonda, o poeta vive atualmente em Vitória, no Espírito Santo. Já publicou alguns livros, entre eles: Movo as mãos queimadas sob a água, de 2011, Campo de ampliação (2009) e Mares inacabados, de 2008.
Casé enviou uma série de poemas ao Letras Vermelhas, que publicamos aqui na íntegra:
Noemar os sons na dissolução
Nomear os sons na dissolução
conserva
um pouco das sílabas ofensivamente estendidas
ao
espanto
inicial?
quase esqueço
o
que responder — enquanto nos arrastam —
até
o fundo
das retinas:
sustentando (pânico após pânico)
a
fabricação da apoteose
— minto —
da
metamorfose
corporal;
com
súbito prazer;
insisto:
assim
que o bulbo — depois de algum silêncio —
mas
antes do acaso;
assim
que o bulbo (o bulbo)
esfriar
no
asfalto:
acordaremos — ainda dentro da precariedade —
ao
redor dos poros: outra vez:
por
que logo
eu tentaria coibir
uma
qualquer
intrusão?
nascemos para a língua:
alertas
ao tempo — sem a exatidão da voz —
contra
essa espessa mudez:
nascemos
para o que nos ressuscita
— arremessando um rosto —
nos
cristais
da
cica
Até que nos erguemos sobre o estrado
Até que nos erguemos sobre o estrado
onde resgatar
as raivas que escavam a superfície
das meninges
(adiando
as defasagens do desamparo)
como a solidão
que
nos antecede
— calados, convalescemos? —
apesar
dos atos que nos reúnem
(turvando
a oscilação dos obstáculos)
recorremos
aos
eventos do passado
sem regressar
ao
presente dos eventos
que nos surpreendem
com
uma carência
inexpressiva:
quando o tempo não mais nos distrai
traímos
a concentração que desidrata
o fôlego atraindo
— para
longe do tempo —
o tempo que se contrai
quando
apresentamos
ao tempo (que os lapsos estendem)
um
outro desconforto
quando
dispersamos
— por
murmúrios —
o rosto
contra a atrocidade
de
um tempo que não perturbasse
as têmporas
onde
persistem pelo menos os destroços
latentes
de uma dúvida
atenta
(seria
insuportável a insuficiência
se o signo
que nos origina
não selasse
com
o nosso desaparecimento
a
sua assinatura)
Sou o corpo que faz sombra sobre o homem que morre
Sou o corpo que faz sombra sobre o homem que morre,
o homem não emudecido?
Sou o corpo que o conclui, no momento
de sua extinção;
sou o corpo que o conclui, apesar
de incapaz
de alcançar sua precisão?
Saberei seguir o eco que nos contorna, no topo
de uma noite
instalada nas têmporas?
Recusarei, ainda que jamais persistente,
o que descrevemos
como esquecimento receando, no entanto,
assimilar
sua lucidez?
Recusarei a raiva — quase nomeada —
que o sono
— quando refeito — sequer empalideceu?
Poderei repousar
no chão de sua asfixia?
Como delinear
seu incêndio, dedilhar sua hora?
Como preparar
a manhã para uma morte já remota?
Restamos sobre andaimes oscilantes
Restamos sobre andaimes oscilantes, dispersos por raptos mal calculados: a vibração da palavra — agora elaborada
na extensão do desabrigo — desestabiliza o estímulo
antes clínico: cansados
do amparo da espera, mantemos a perna reaberta em estado de híbrido alerta: (será que seu tronco pressente o poema a produzir
mais uma possibilidade para a experiência): no ponto
de partir — reponho o fôlego
quando um pouco de poeira penetra no osso: (talvez
desacreditado
do imediato): prefiro ver a vida ruir a deixar o dia intacto
Manter o desconforto
Manter o desconforto diante de toda
fronteira, sem contudo
recusar a dispersão, concisa, do verso lavrado
sem pressa, apesar de uma quase
azia. Breves mortes persistem atrás
de um mesmo
hoje, de um idêntico aqui. Prefiro
no entanto este janeiro a brotar do calor
expelido pela fala. Agora
que encontrei para onde
voltar, pretendo
apenas ter passos de prosseguir.