Crimes de ódio: assassinato de três transgêneros preocupa a Argentina

O assassinato de três mulheres transgênero em apenas um mês na Argentina chama a atenção para a vulnerabilidade e a falta de garantias de direitos a uma das comunidades mais marginalizadas do país. Uma das vítimas foi Diana Sacayán, reconhecida ativista dos direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e intersexuais (LGBTI), encontrada morta em seu apartamento, no último dia 13 de outubro, na capital Buenos Aires. Seu corpo mostrava sinais de violência.

Diana Sacayán - Reprodução

Dentre as várias lutas pelos direitos de gênero no país, Diana participou ativamente da aprovação pelo Senado Federal da Argentina de lei que define a cota de 1% dos empregos públicos da Província de Buenos Aires para pessoas travestis, transexuais e transgêneros. Foi uma maneira que os movimentos sociais encontraram de garantirem mais acesso a trabalho digno para essa parcela da população.

Ela era membro do Programa de Diversidade Sexual do Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo (Inadi), secretária da Associação Internacional de Lésbicas, Gays e Bissexuais (Ilga) e uma das líderes do Movimento Antidiscriminatório de Libertação (MAL). Era considerada uma das mais ativas defensoras de direitos de gênero e um ícone nas lutas desse setor.

Em 2012, Diana recebeu das mãos da presidenta Cristina Kirchner, um documento que reconhecia legalmente sua identidade de gênero como mulher, de maneira pioneira. A Argentina é um dos poucos países no mundo que permitem que as pessoas mudem seu gênero em documentos oficiais de identidade. "Peço a colaboração das forças de segurança nacionais e metropolitanas para esclarecerem rapidamente esse terrível crime”, disse Cristina, durante um ato público.

Outras duas mulheres trans, Marcela Chocobar e Fernanda Coty Olmos, ambas líderes de organizações LGBTI, também foram violentamente mortas, respectivamente, nas Províncias de Santa Fé e Santa Cruz. Marcela tinha apenas 26 anos de idade e foi assassinada, esquartejada e queimada, desaparecida desde o início de setembro último, e seus restos mortais encontrados 15 dias depois em um terreno baldio, após uma intensa busca de seus familiares pelas redes sociais e de investigação policial.

Já Fernanda tinha 59 anos de idade e se destacou, em 2003, quando participou de trabalhos solidários para ajudar vítimas das inundações que afetaram sua cidade, naquele período. Ela foi morta em 29 de setembro deste ano, em sua própria casa. Tinha marcas de golpes no rosto, punhaladas na região das nádegas, profundas feridas abertas com arma branca nas costas e no abdômen, e um tiro no peito. Havia ainda marcas de resistência da vítima, o que indica que ela chegou a lutar com seu agressor.

"Uma nuvem obscura está cobrindo a comunidade trans na Argentina. A menos que essa onda de assassinatos seja efetivamente investigada e que as pessoas responsáveis sejam levadas à Justiça, será enviada a mensagem de que atacar as mulheres trans é aceitável”, afirma Mariela Belski, diretora executiva da Anistia Internacional na Argentina. "A Argentina não pode permitir que essa onda de violência continue. Estabelecer uma base de dados para documentar crimes de gênero e desenvolver mecanismos fortes para investigar e castigar a violência de gênero seriam bons primeiros passos”, complementou Belski.

A Comunidade Homossexual Argentina (CHA) lamenta a morte de Diana Sacayán e qualifica o caso como "crime de ódio”. A entidade relembra que somente no ano passado sete mortes foram registradas pela mesma razão transfóbica. Já Esteban Paulón, titular da Federação Argentina de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans (FALGBT), cobra posição e ação por parte do Estado. "A discriminação segue matando, e não dizemos isto figuradamente”, afirmou.

"Casos como o de Diana Sacayán, Marcela Chocobar e Coty Omos mostram, com crueza, o efeito que essa discriminação tem sobre as pessoas. Diante dessa realidade, o Congresso não pode continuar olhando para o outro lado sem oferecer ferramentas efetivas para a construção de uma sociedade igualitária”, enfatiza o ativista.

A repercussão dos casos reuniu recentementedezenas de pessoas em protesto diante da Corte Suprema de Justiça da Argentina. Familiares, amigos, grupos de defesa da diversidade sexual e organizações de direitos humanos se manifestaram em solidariedade às vítimas e exigiram o esclarecimento dos crimes.

Em entrevista à imprensa, Sasha Sacayán, irmã de Diana, declara que a investigação do crime ainda não chegou a novas informações, mas avança. "Estamos nos movimentando para pedir justiça e o que me mantém forte é estar constantemente na Promotoria buscando esclarecimento”, diz. "Pediremos o esclarecimento e o reconhecimento da luta tanto de Diana quanto do grupo Movimento Antidiscriminatório de Libertação (MAL). Além disso, será uma maneira de ter Diana presente”, acrescenta Sasha.