Marcha da ignomínia no Sahara Ocidental

Dirigentes saharauís qualificaram como provocatória a recente visita do rei do Marrocos, Mohamed VI, aos territórios ocupados do Saara Ocidental.

Por Carlos Lopes Pereira, no Jornal Avante!

A quem pertencem as riquezas do Saara Ocidental? - Un Periódico

O presidente da Frente Polisário e da República Árabe Saarauí Democrática (RASD), Mohamed Abdelazize, condenou a deslocação do monarca a El Aaiúne, capital do território. Reafirmou a disposição de estabelecer negociações sérias e sem condições prévias, sob a égide das Nações Unidas, tendo em vista uma solução que garanta o direito do povo saarauí à autodeterminação e à independência. E saudou as declarações do secretário-geral da ONU, que voltou a pedir a todas as partes envolvidas na região e à comunidade internacional apoio para as iniciativas do seu enviado especial, visando “um diálogo genuíno” nos próximos meses.

Um comunicado de Ban Ki-moon, divulgado por ocasião da passagem dos 40 anos da ocupação ilegítima do Saara Ocidental por Marrocos, refere-se ao “sofrimento humano” ao longo destas quatro décadas, avisa que a situação no Noroeste da África é “alarmante” e sublinha a necessidade de “uma solução política aceitável por todas as partes que traga autodeterminação para o povo do Saara Ocidental”.

Um outro dirigente saharauí, Brahim Moktar, advertiu que se não se avançar com uma solução política para o território, existe a possibilidade real do regresso às armas. Em entrevista à agência noticiosa espanhola EFE, este responsável, que desempenha o cargo de ministro da Cooperação da RASD, disse que a intransigência marroquina, somada a 40 anos de exílio forçado de uma parte da população, tem causado a radicalização entre os jovens. Falando em Rabouni, no Sudoeste da Argélia, onde se localizam campos de refugiados saarauis, Moktar advertiu que se não se encetar o processo de negociações que conduza a um referendo, organizado pelas Nações Unidas, os jovens podem pegar em armas “para continuar aquilo que fizeram os seus pais desde 1975 até 1991”. A Frente Polisário vai reunir em dezembro o congresso geral, com a participação de 2500 delegados, a maioria dos quais com menos de 30 anos, para adotar “decisões cruciais”.

Moktar responsabilizou Marrocos pelo eventual agravamento do conflito do Saara Ocidental, numa região já com outros focos de tensão – das rivalidades marroquino-argelinas ao ativismo de grupos radicais islâmicos.

Patriotas saarauis denunciaram a visita de Mohamed VI a El Aaiúne, na semana passada, como uma “operação de imagem”, a pretexto de comemorar os 40 anos da Marcha Verde, que desencadeou, em finais de 1975, a ocupação marroquina do território, hoje a última colônia na África.

Brahim Dahane, presidente da Associação Saharaui de Vítimas de Violações Graves dos Direitos Humanos, afirmou que o governo de Marrocos fez deslocar agora 140 mil pessoas, a maior parte delas “militares e polícias”, para garantir “manifestações populares” simpáticas ao monarca nas ruas de El Aaiúne.

Em entrevista ao jornal espanhol El Pais, Dahane explicou que Marrocos tem implementado uma política econômica sistemática com a finalidade de “trazer cada dia mais colonos e modificar a situação demográfica de um território ocupado de forma ilegal”. Ao longo destas quatro décadas, considerou, as condições de vida melhoraram “para os colonos marroquinos” mas para os saharauís “nada mudou”. Marrocos construiu algumas infraestruturas “para levar daqui os nossos recursos e para trazer a sua gente”.

A Marcha Verde – a invasão do Saara Ocidental por 350 mil marroquinos, entre colonos e forças armadas – assinalou o começo da retirada da Espanha, a antiga potência colonial, e o início da ocupação ilegal marroquina, que perdura até hoje.

Para os independentistas saarauís, o 6 de novembro de 1975 é um dia de ignomínia. Na época, o Tribunal de Haia pronunciara-se a favor da autodeterminação da população que vivia então no Saara Ocidental. Marrocos, com apoio da Espanha, que assistia aos últimos dias do franquismo, e dos Estados Unidos, lançou-se na ocupação de um território rico em fosfatos e, provavelmente, em petróleo. A Frente Polisário encarou a Marcha Verde como uma invasão e declarou guerra à Marrocos, até que em 1991 foi assinado um cessar-fogo entre as duas partes.

Desde então, uma missão das Nações Unidas está encarregada de acompanhar a situação no terreno e o Conselho de Segurança aprovou várias resoluções, nomeadamente sobre a realização de um referendo, a que a monarquia marroquina reacionária foge, respondendo com a opressão militar e manobras propagandísticas.