Luta por igualdade racial resiste aos séculos de negligência 

Os últimos dados divulgados sobre o crescimento de assassinatos de mulheres negras no país expõe uma ferida que apenas começa a se cicatrizar. Entre os 127 anos que nos separam da Lei Áurea, as mulheres negras ainda são as que mais sofrem com os resquícios do abandono e o descaso pós escravidão.

Por Laís Gouveia

A vulnerabilidade da mulher negra e os desafios da inclusão racial

O Mapa da Violência 2015, divulgado na semana passada, denuncia a situação de vulnerabilidade em que se encontra a mulher negra. De acordo com o estudo, o número de mulheres negras mortas cresceu 54% em 10 anos, enquanto que o número de mulheres brancas assassinadas caiu 10% no mesmo período.

No caso do gênero feminino como um todo, é em sua casa que ela encontra maior risco de sofrer agressão: 55,3% dos crimes contra mulheres foram cometidos no ambiente doméstico. Medidas de combate à violência foram estabelecidos nos últimos anos, como a Lei Maria da Penha e as delegacias de crimes contra a mulher. Porém, segundo especialistas, para mudar o alto índice que impera as estatísticas, é necessário a intensificação das políticas de acolhimento da mulher que sofre abusos e, mais ainda, mudar a mentalidade patriarcal existente ainda em nosso país.

Os percalços da mulher negra no Brasil são inúmeros. Subempregos, níveis baixos de escolaridade, preconceito, violência e, ainda por cima, são vítimas da grande mídia que só a coloca em destaque quando é para sexualizá-la ou  “preencher a cota de negros da TV”, na maioria das vezes, como empregadas domésticas das famílias brancas de Higienópolis ou Leblon. Outro fator muito utilizado nos grandes canais midiáticos é o conceito da meritocracia. A ideia é usar uma negra ou um negro que obteve sucesso na vida e utilizá-lo como exemplo de que, se a pessoa luta para ser bem-sucedida, ela irá conquistar todo o prestígio. A mídia hegemônica só esquece de citar as condições precárias em que a população negra está inserida, tornando-se quase impossível um jovem da periferia se tornar um juiz, como Joaquim Barbosa, que é sempre citado pelos grandes canais como exemplo de “se batalhar se chega lá”.

Em um dossiê elaborado pela Secretaria Nacional da Mulher em parceria com o Ipea, dados informam que, apesar dos esforços implementados nos últimos 13 anos para o combate ao racismo e pela luta da igualdade racial, os últimos 500 anos de descaso com a população negra pesa nas dificuldades de enfrentamento desse abismo social.

Segundo a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, o sexismo e o racismo são ideologias geradoras de violência e estão presentes no cotidiano de todos nas relações familiares, profissionais, acadêmicas e nas instituições, o que permite afirmar serem dimensões que estimulam a atual estrutura desigual, ora simbólica, ora explícita, mas não menos perversa, da sociedade brasileira. “É com base nesta compreensão que o Estado brasileiro afirma seu compromisso com o enfrentamento integrado do racismo, sexismo e lesbofobia”, afirma.

O abismo do acesso à educação

Dados do IBGE de 2013, apontam que a porcentagem de brancos cursando o ensino superior na faixa etária de 18 a 24 anos era de 79%, enquanto a de negros atingia apenas 21%. Apesar da imensa maioria a frequentar a universidade ainda ser branca, se for comparado com os anos 1990, é perceptível a inserção dos negros no mundo acadêmico. Em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos, cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil. 

No gráfico abaixo é possível analisar outra questão, a escolaridade baixa da mulher negra. Apesar das ações afirmativas promovidas nos últimos 12 anos, como a Lei de Cotas em universidade públicas e o ProUni nas instituições de ensino privado, é visível o quanto é preciso ainda caminhar nas políticas de inclusão racial.


A inserção no mercado de trabalho é outro agravante social. Dados do Ministério do Trabalho apontam para o abismo entre o salário do homem branco que, se comparado ao da mulher negra, neste caso, a média do salário da mulher negra é de R$ 790 enquanto o salário do homem branco chega a R$ 1.671,00 ou seja, mais que o dobro.

Apesar dos dados apresentados acima, é visível que algo está mudando no país. As políticas públicas de combate ao racismo e inserção social que, mesmo sendo tímidas, já começam a alterar um quadro historicamente desigual, o empoderamento da mulher negra, as denúncias de racismo, o grito de basta ao papel de humilhação, demonstram que, acima de tudo, os resquícios da cultura escravista começam a perder os seus pilares.