A França e a paradoxal tensão na crise que enfrenta a Europa

"O ambiente político em meio ao qual têm sido sido registrados os últimos e mais relevantes fatos na França é particularmente importante para alguém perceber a evolução das mudanças e a ascensão de um populista e antieuropeu partido político do extremismo de direita na Quinta República Francesa". Artigo de Mary Stassinákis*, no Monitor Mercantil.

François Hollande - Reuters

O ambiente político em meio ao qual têm sido sido registrados os últimos e mais relevantes fatos na França é particularmente importante para alguém perceber a evolução das mudanças e a ascensão de um populista e antieuropeu partido político do extremismo de direita na Quinta República Francesa, que jurou garantir o predomínio nacional, a saída da França do regime de moeda comum europeia, expressa uma reivindicação de retorno da realidade social pelos cidadãos, no momento em que os tradicionais pilares partidários e ideológicos do sistema político francês perdem o terreno debaixo de seus pés.

Como conforma-se, então, o ambiente que conduz a esta nova expressão de representação política pelo radicalismo antieuropeu de extrema-direita? Uma representação política que já supera o sentido do voto de protesto que era subministrado antigamente e, simultaneamente, possui a capacidade de imobilizar qualquer ataque desfechado por seus adversários políticos e intelectuais.

Dois são os parâmetros básicos que definem a vida política e, especificamente, fortalecem os sentimentos políticos. O primeiro é a crise do espaço político da direita. Derrotada nas eleições presidenciais e parlamentares de 2012, a força política do conservadorismo francês parece estar sendo despedaçada internamente. Sua capacidade opositora e seu valor crítico contra a governança do socialista presidente, François Hollande, assim como contra ao extremismo de direita de Marine Le Pen, haviam sido minados pelas ambições de seus “coronéis” e “caciques”.

Mas a incapacidade da oposição francesa de recompor seu discurso ideológico é consequência exclusiva de conflitos autossustentados em seu interior, a exemplo daqueles que referem-se à escolha de nova liderança em vista das eleições presidenciais seguintes, assim como, de “pecados do passado” que a imobilizam e a paralisam.

Primeiro “pecado"

O primeiro refere-se à herança econômica que deixou a governança de Nicolás Sarkozy, a qual, como é de domínio público, à guisa de pretexto e ampliando desigualdades enfrentou as reformas e a crise de competitividade que assolava e assola a economia francesa. A crescente desindustrialização e a queda são os grandes “pecados” da governança Hollande, enquanto Sarkozy invoca – até um certo grau justamente – o fato de que encontrou-se governando no apogeu da crise, mas conservou em bom nível a capacidade de endividamento de seu país. Porém, sua governança é aquela que é responsável em grau elevado pela retardada reação da União Europeia (UE) à crise e pela permanência da França em “voo baixo” de competitividade que a caracteriza.

O segundo pecado que durante longo tempo desgastou a coesão de centro-direita e ampliou a evolução das disputas internas refere-se ao sistemático envolvimento de Sarkozy em escândalos econômicos ou, pelo menos, ao avançado aumento destes, criando não só uma impressão de imoralismo político, mas também confirmando as distâncias entre uma luxuosa classe política e os cidadãos.

O fenômeno não é novo para a classe política francesa, mas, nas condições da crise e dos fenômenos de desnacionalização que provoca, os acontecimentos adquirem dinâmica muito maior do que aquela de denúncia de corrupção. Estes fatos atrelaram, em nível simbólico, a governança e até o espaço da direita com a grande riqueza. E praticamente conseguiram, se alguém calcular as opções tributárias de Sarkozy a favor da grande riqueza.

Frustração socialista

Outro parâmetro que configura o entorno eleitoral é o amplo fracasso das expectativas pela governança socialista e atuação pessoal de Hollande na presidência. Dois anos após o sufocante predomínio dos socialistas e de seus aliados nas centrais instituições políticas da Quinta República Francesa, este espaço político surge em visível curva descendente, mas, principalmente, em absoluta crise de identidade em nível europeu. Incorpora apenas a legitimação do sistema político em seu total.

Com exceção dos EUA (que seja lá como for são diferentes da tradição socialista europeia), as ideias e expectativas social-democratas parecem encontrar-se em grande recuo há décadas. Até onde governam os partidos de Centro-Esquerda, obrigam-se a formularem e cumprirem uma agenda de reformas que não controlam e, a qual, está muito distante dos elementos ideológicos alicerçais da Social-Democracia européia, especificamente, no que diz respeito o Estado social.

O tradicional esquema do Partido Socialista francês (que o próprio somente descreve no âmbito da famosa negociação franco-britânica seu ego como diferente das versões social-democratas dos trabalhistas britânicos e do Partido Social Democrata) poderia estar adormecido durante o período da presidência de Sarkozy.

Contudo, a campanha pré-eleitoral de Hollande, com sua simbólica persistência em preconceitos estatais na educação e a retórica oposição ao mundo do dinheiro e o sistema financeiro totalmente, revela-se fatal para esta área política. A crise da Zona do Euro pode ter sido circunscrita depois de agosto de 2012 e o “whatever it takes” (seja lá o que acontecer, em tradução livre) de Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, mas não foi substituída por alguma recuperação dinâmica e generalizada.

Fosso crescente

Ao contrário, a crise adquiriu palpáveis características dentro da França, os quais rapidamente mostraram que uma política do tradicional tipo intervencionista social-democrata não teria sentido. Assim, o desconhecimento, pelo Governo Hollande, da crise, conforme foi expresso durante o período pré-eleitral de 2012, abriu um considerável rombo nas relações entre os cidadãos e o Poder Executivo.

E cresceu – alguém poderia dizer – pelo fato de que a incapacidade de qualquer política expansionista, a presença da queda e a crescente desindustrialização não foram aceitas no período 2012-2914. E como não foram postas pelos socialistas questões de remodelação do Estado Social e, de um modo geral, tudo aquilo que apressadamente, mas, com conveniente suficiência é denominado “reformas corretivas”.

Ao contrário, o Governo Hollande abriu uma outra frente pós-regulatória, de diferente tipo e ordem. E em seu desejo para garantir que seu nome seria ligado historicamente com uma grande decisão nas questões de modernização social, decidiu, em 2013, travar a grande batalha a favor “de casamento para todos” como foi denominada a expansão do casamento civil aos casais do mesmo sexo. Esta opção enfraqueceu o Poder Executivo e o deslegitimou perante os olhos do próprio Partido Socialista francês.

A questão era crucial para o envolvimento político da governança socialista, mas a social-democracia francesa tem tradição na dupla estratégia reformista, aquela que considera que o progresso no campo das relações sociais e a materialização das reivindicações pós-materialistas estão inquebrantavelmente, ligadas com a promoção de reformas de caráter redistribuidor.

O pleno fracasso da gestão de queda e o crescente desemprego, aos quais na França são sinônimos de severo bloqueio social, a sensação de que a França não constitui mais parceiro isônomo da Alemanha na liderança da Europa, e sua submissão à categoria dos países com excessivo deficit fiscal enfraqueceu, ainda mais, a legitimação do governo socialista.

*Jornalista da sucursal da União Europeia em Bruxelas