Requião: “Não há sanção para descumprimento de metas fiscais” 

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) rechaçou o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff aberto pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com base em supostas práticas de irregularidades fiscais. Ele qualificou como descabida essa “argumentação” golpista que tem sido usada por Cunha, PSDB e seus partidos satélites.

Requião: “Não há sanção para descumprimento de metas fiscais”

Ele ressaltou que, de acordo com a legislação brasileira, para existir crime é indispensável que o comportamento tenha sido definido em lei como crime, o que, em seu ponto de vista, não é o caso do descumprimento das metas fiscais.

Em artigo escrito com o consultor de Orçamento do Senado Hipólito Gadelha Remígio, Requião afirma que “não há qualquer dispositivo constitucional ou legal que imponha o atingimento de metas fiscais, nem muito menos que sancione negativamente a não observância das metas”.

O senador citou a Lei de Responsabilidade Fiscal, sublinhando que o texto não estabelece obrigatoriedade das metas estabelecidas. O senador questionou a política econômica do governo, mas ressaltou que considerar o descumprimento da meta fiscal como argumento para impeachment de Dilma é “piada de mau gosto” e jogada política baixa.

“Quem procura tornar crime uma conduta que nem mesmo é exigida em lei quer se sobrepor ao legislador, desrespeitando o Estado Democrático de Direito e a representação popular que confere ao Parlamento o poder de legislar”, afirmou o senador.

O documento tem como base de análise a acusação e o pedido de impeachment formulado pelos juristas golpistas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal acerca das chamadas “pedaladas fiscais” supostamente cometidas pela presidente. De acordo com a nota de Requião, é necessário ressaltar o disposto no § 1º do art. 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal.

“§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar”, diz o texto.

Interpretação

Segundo o documento, “uma análise perfunctória do texto pode conduzir à interpretação de que o descumprimento da meta fiscal corresponderia à caracterização de gestão fiscal irresponsável. Ao se adentrar em uma verificação apurada percebe-se que a redação deixa evidente que irresponsável não é a gestão que não cumpre suas metas”.

“A interpretação literal conduz a classificação como responsável uma administração que executa ‘uma ação planejada e transparente’ destinada a prevenirem-se ‘riscos e corrigirem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas’”, continua. “A existência efetiva de ação planejada e transparente destinada àqueles objetivos é que caracteriza uma gestão como fiscalmente responsável.”

A nota diz que, “ao lado dessa interpretação, permite-se, ainda, afirmar, com base no mesmo texto, que a gestão fiscal que não atinge as metas seria classificada ou classificável como irresponsável”.

Responsabilidade

“Ainda que o fosse, não há qualquer sanção a essa classificação, como igualmente não há punição a outras situações indicadas pela LRF que classificam certas ações ou omissões como ato (ou inação) de irresponsabilidade fiscal. É o caso clássico do disposto no caput do art. 11 da LRF, que declara: Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”, acrescenta.

No documento, Requião e o consultor dizem que “se pudesse dar caráter imperativo às metas fiscais apenas com base naquele § 1º do art. 1º, igualmente dever-se-ia conferir o rótulo de cogente a esse artigo 11, cujo texto, da mesma forma, tem estrutura declaratória de uma classificação entre o que significaria agir de forma responsável (ou irresponsável) na condução da política fiscal. Ocorre que o texto do art. 11 declara expressamente, a contrário senso, que a falta de instituição de algum dos impostos constitucionalmente previstos para determinado ente federado configuraria descumprimento de ‘requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal’”.

“Se fosse assim, fiquemos apenas num exemplo. O governo Sarney, nem o governo Collor, nem o de Fernando Henrique, nem o de Lula e, até a data presente, nem o de Dilma, instituiu, previu ou arrecadou o imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII, da Constituição Federal), ipso facto conclui-se obrigatoriamente que todos eles deveriam ser classificados como irresponsáveis sob a ótica da gestão fiscal? É claro que não. Justamente porque não descumpriram normas legais imperativas”, complementa.

Na reta final da nota, o parlamentar e o consultor afirmam que “dado as duas normas (do art. 1º § 1º e a do art. 11) da LRF apresentarem a mesma estrutura e mesma fragilidade quanto à sua imperatividade, nada mais óbvio do que dar às duas o mesmo tratamento. Essa isonomia de tratamento significa, portanto, dar curso a uma das duas hipóteses: ou se considera irresponsável tanto a gestão que não atingiu as metas fiscais quanto aquela que não instituiu o imposto sobre grandes fortunas, ou se afasta tal classificação”.

“Agir de um modo em relação a uma dessas duas condutas e de outra maneira, relativamente à outra configuraria violações mais graves ainda: no âmbito civil, a de descumprir garantia constitucional fundamental que todos têm de serem tratados com igualdade perante a lei; no âmbito administrativo, estaria ferido de morte o princípio da impessoalidade”, finalizam.