José Goulão: Estado Islâmico e petróleo de sangue

O chamado Estado Islâmico, ou Isis, ou Daesh – um dos muitos heterônimos da rede terrorista mundial de índole “islâmica” – é uma espécie de inimigo público nº 1, autor putativo de toda e qualquer ação de violência que seja praticada, monstro de mil e uma cabeças que atingiu uma dimensão criminosa dir-se-ia imbatível e que, para admiração geral, nasceu do nada, ninguém apoia, nem sustenta, nem financia, nem arma, nem protege, nem dele se serve.

Por José Goulão, especial para o Portal Vermelho

Caminhões petroleiros turcos destruídos pela aviação russa na Síria

O terror dos terrores nasceu por geração espontânea, de um ovo vazio, de um ventre estéril.

A Al-Qaida, por exemplo, teve um embrião, um lugar de gestação e nascimento, procriadores conhecidos. Fale-se em CIA, MI6, serviços secretos paquistaneses e sauditas, Afeganistão, Bin Laden e resumem-se os primórdios da rede que haveria de simbolizar o terrorismo mercenário “islâmico” até à emersão relampejante do Estado Islâmico.

Em relação a este sabe-se, por exemplo, que o general norte-americano Wesley Clark, antigo comandante supremo da Otan, acusa os próprios Estados Unidos e Israel de terem as mãos sujas na sua origem. Clark deve saber do que fala, não só pelo cargo que ocupou como pela folha de serviços pouco recomendável no processo de invenção do Kosovo.

Digamos que estas informações, mesmo significativas, são avulsas: faltam dados globais que ajudem a sistematizar o processo de criação e desenvolvimento de uma seita terrorista que conseguiu avançar num ápice do Leste da Síria quase até Bagdá, a capital do Iraque, ao mesmo tempo que se coligava com os nazistas ucranianos para tentarem destruir o Leste da Ucrânia e “libertar” a Crimeia, ao mesmo tempo que pretende desmantelar a Síria, manter o caos na Líbia, solidificar o “califado” proclamado em vastos territórios sírio e iraquiano, onde controla o generoso maná petrolífero de Mossul, “capital” dos curdos do Iraque.

Petróleo, uma palavra-chave para se conhecer o Isis, como agora se vai sabendo no meio de um ruído de comunicação gerado para que a realidade se dissolva na mentira, como muitas vezes acontece neste mundo quando os assuntos são problemáticos e as cumplicidades incómodas.

O Isis ou Estado Islâmico vive e desenvolve-se a petróleo, petróleo de sangue tendo em conta as suas atividades. Há elementos suficientes para não existirem dúvidas de que os seus principais financiadores são petroditaduras como a Arábia Saudita e o Catar, íntimos aliados militares, políticos e econômicos de entidades que se consideram faróis da civilização como os Estados Unidos da América e a União Europeia.

Sabe-se agora também, desde que as tropas russas empenhadas em salvar a Síria como país o denunciaram com provas abundantes, que o Isis ou Estado islâmico se financia através de contrabando de petróleo que “lava”, por exemplo, através da chancela oficial da região autônoma do Curdistão iraquiano.

É surpreendente que não tenhamos sabido deste processo antes de os russos se envolverem na Síria, porque os movimentos deste contrabando nada têm de discretos aos olhos da nuvem de satélites. Envolvem comboios de 8.500 caminhões tanque por dia em direção a portos e refinarias da Turquia – membro da Otan como todos sabemos – entrando neste país a partir de regiões ocupadas pelo Estado Islâmico na Síria e sem qualquer controle fronteiriço das autoridades turcas.

Na Turquia, o extenso e cotidiano desfile cai sob o controle da mafia do "dr. Farid", de dupla nacionalidade grega e israelense, e de outras máfias de outros doutores Farids, seguindo depois a mercadoria para o mundo a partir de portos israelenses e turcos.

Ao que parece, segundo o Financial Times, Israel assegura assim cerca de três quartos das suas necessidades energéticas. Cada barril de petróleo clandestino é traficado a cerca de metade do preço dos mercados – até estes são burlados – proporcionando ao Estado Islâmico receitas por baixo de US$ 3,2 milhões por dia, quase US$ 100 milhões por mês, US$ 1,2 bilhão por ano.

O movimento envolve também navios de bandeira japonesa da empresa BMZ pertencente a Bilal Erdogan, filho do presidente da Turquia Recepp Tayyp Erdogan, e a outros membros da família. Acresce que parte do petróleo roubado na Síria e no Iraque transita através da região de Sanliurfa na Turquia, onde funcionam campos de treino da Al-Qaida e do Estado Islâmico e existe também um hospital clandestino para tratar terroristas feridos em combate na Síria, por sinal gerido pela senhora Summyie Erdogan, filha do presidente turco e irmã de Bilal.

A família presidencial de Ancara, que a União Europeia encarregou agora de travar o fluxo de refugiados em troca de mais uns milhares de milhões de dólares e da promessa de adesão à confraria, desmente a pés juntos estas realidades, tal como negou ter negócios ilegais e acolher frequentemente o príncipe saudita conhecido por ser o tesoureiro da Al-Qaida.

Fato mais do que confirmado pela comunicação social turca e que esteve na origem de um saneamento brutal nos aparelhos judicial e policial, vitimando quem tinha as provas e os responsáveis pelas investigações e processos.

Ocorrendo estas práticas terroristas sob o chapéu de um membro da Otan não será difícil perceber as razões pelas quais o tráfico de petróleo em favor do Estado Islâmico tenha sido poupado durante mais de um ano pela “guerra” que os Estados Unidos dizem conduzir contra esse mesmo grupo terrorista.

Até ao dia em que Moscou demonstrou os fatos durante a cúpula do G-20 e o Pentágono decidiu agir pontualmente, tal como a França fez a seguir aos atentados de Paris, violando aliás a soberania síria porque ambos o fizeram à revelia do governo de Damasco.

Porque os resultados das investigações às vezes também são como as cerejas, conhecem-se agora outras fontes de financiamento do Estado Islâmico: o tráfico de escravos sexuais, assaltos a bancos da Síria e do Iraque, mercado negro de produtos cultivados nas terras férteis que confiscou no interior do “califado”. Mas as chaves da sua existência e da sua atividade são o petróleo de sangue em conjunto com enredadas cumplicidades onde avultam pessoas e entidades que se miram ao espelho e nas telas como gente de bem e assim entendem defender o nosso “civilizado modo de vida.”