José Roberto Fonseca: Não se constrói consenso na ilegalidade

Sobre o momento político que vivemos e a necessidade de construção de uma saída para a crise econômica, vale uma reflexão sobre as conquistas que tivemos nos últimos anos e a necessidade de preservá-las pelo caminho da democracia e da legalidade.

Por José Roberto Fonseca*

Brasil

Assistimos no último período a um Brasil que se tornou mais justo, as desigualdades sociais foram reduzidas. Registram-se como principais fatores que contribuíram para isso o aumento real do salário mínimo e da renda de 80% dos aposentados e o programa Bolsa Família.

Não há como negar que o Bolsa Família enfrentou de forma imediata a questão da fome, da desnutrição e da miséria absoluta e também que o programa Mais Médicos ampliou o acesso da população à assistência à saúde. Isso associado a outros programas como: Fundeb, Pronatec, Prouni, Reuni, Ciência Sem Fronteira e ainda os programas de cotas, resultou na ampliação do acesso à creche, ao ensino básico e à formação de jovens, preparando-os para o trabalho e para a vida.

Esses investimentos na área educacional causaram verdadeira revolução que promoveu a disseminação do ensino técnico e superior com a ampliação e criação de novas escolas pelo interior do país. Soma-se ainda, o ENEM como instrumento de avaliação do ensino médio e democratizando o ingresso à universidade.

Também foi criado o programa Minha Casa Minha Vida, com subsídios para as menores faixas de renda que, além de permitir acesso digno à moradia para milhões de famílias, até então excluídas, dinamizou a construção civil e ajudou a gerar empregos e a impulsionar a economia.

Ao lado disso, outra importante iniciativa foi o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que contribuiu para aumentar os investimentos, priorizou a infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos) e espalhou canteiros de obras por todo o país.

Garantimos a retomada da indústria naval e a ampliação da petrolífera com a garantia de percentual de conteúdo nacional que favoreceu a nossa indústria. Tiramos da gaveta o projeto de transposição das águas do rio São Francisco, que ao lado de outras obras de gestão das águas, reduziu substancialmente o problema secular da seca no Nordeste, atendendo às famílias e à produção. Atravessamos há três anos uma rigorosa seca no Nordeste e não se ouve falar em saques ou êxodo.

Essas obras geraram empregos – chegamos próximo ao pleno emprego – e impulsionaram o desenvolvimento do país, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, cujo impacto foi imediato, mensurado pelo crescimento econômico sempre maior nestas regiões em relação à média nacional.

Podemos afirmar que: com alguns programas sociais bem estruturados, e outros voltados à superação do gargalo da infraestrutura ao desenvolvimento nacional, conseguimos enfrentar três problemas que até então pareciam insolúveis: desigualdade social, desigualdade regional e o desemprego, cuja superação veio acompanhada do aumento real da renda do trabalhador.

Com isso, colocamos o país no rumo do desenvolvimento com distribuição de renda, e enfrentamos os primeiros anos da crise econômica mundial sem gerar consequências imediatas para a população, ao contrário do que se viu na Europa.

Ainda temos muito a fazer, mas nada a discutir sobre o rumo. Se há necessidade de correções façamos, mas sem cavalo de pau.

Nesses últimos anos enfrentamos outro problema, que até então faltava coragem e determinação política. Falo aqui da corrupção. Entre outras medidas o fortalecimento dos órgãos de controle – TCU, CGU e Ministério Público.

A Polícia Federal foi estruturada e tem trabalhado livremente na apuração de casos de corrupção como nunca se fez neste país. Uma corajosa e determinada decisão política dos governos recentes, que até então não se via. A corrupção tem raízes históricas e tentáculos nos poderes político e econômico. Quem não lembra do procurador apelidado de “Engavetador Geral da República”? Quantas CPIs foram barradas no governo de FHC? E por que mesmo não se apurou a compra de votos de parlamentares que garantiu a aprovação da reeleição?

Embora os vazamentos seletivos nas apurações de corrupção e o papel da grande imprensa em dar luz a alguns casos e nomes de envolvidos, e manter obscuros outros, é inegável o enraizamento histórico da corrupção, não se pode fechar os olhos para compreendê-lo. O caso do Marcos Valério, que se apelidou de mensalão, cuja prática e método de ação foi iniciada em Minas Gerais, tempo em que não foi apurada. Atravessou governos, e foi ampliada para o âmbito nacional.

Um caso ainda mais presente é o de corrupção na Petrobras em que a operação Lava Jato, embora focada nos ocorridos mais recentes, verifica-se o nascedouro dos ilícitos há décadas. Quem não se lembra do correspondente da Globo em Nova York, Paulo Francis, que se “aventurou” em denunciar, em 1996, ações de corrupção dentro da Petrobras e por isso foi perseguido, adoeceu e morreu?

Outro exemplo são as empreiteiras flagradas agora em atos ilícitos, muitas delas nasceram no período da ditadura, e foram lá que os vícios corruptos da máquina pública e também do setor privado se estabeleceram como “regras”. Elucidativa para entender as raízes da corrupção, a leitura do artigo escrito pelo empresário Ricardo Semler, inclusive ligado ao PSDB, publicado no jornal Folha de S. Paulo em 21/11/2014, intitulado: “Nunca se roubou tão pouco”.

A corrupção não nasceu agora, todos sabemos. Se tivesse sido combatida com rigor no passado, certamente viveríamos em um Brasil melhor. Portanto, o processo de transparência que se estruturou nos anos recentes, embora reveladores de podridão que enoja e envergonha a todos nós cidadãos de bem, tem que ser compreendido como fato positivo. Temos que apurar sem proteger ninguém. Verdadeiramente ninguém! Tem que se tirar lições e promover ações que interrompam, de uma vez por toda, essa sangria de recursos.

Registra-se aqui a decisão de pôr fim ao financiamento empresarial das campanhas eleitorais, verdadeira mãe da corrupção, como importante passo. E vale registrar que ao observarmos os extratos das votações que ocorreram nas Casas do Congresso, verificaremos que a maioria dos que se posicionaram pela manutenção do financiamento empresarial, são os mesmos que hoje bradam e apontam o dedo, como puros e santos fossem, posando de defensores dos símbolos nacionais. Entre estes, estão os verdadeiros traidores da pátria e a estes querem juntar-se novos traidores e “infiéis”, sedentos pelo poder.

Na verdade, a crise política que vivemos se dá pela luta pelo poder. Desde que se abriram as urnas nas últimas eleições fala-se em impeachment, e é a não aceitação do resultado eleitoral e essa disputa extemporânea que têm retardado e atrapalhado a condução dos ajustes e das medidas necessárias ao enfrentamento da crise econômica mundial, que se agravou e que começa a comprometer a qualidade de vida das pessoas.

A estes, que não reconhecem o resultado das urnas, começam a juntar outros que querem permanecer sempre na estrutura governamental, ainda que pela via da ilegalidade e do retrocesso. Não podemos permitir que a sede pelo poder possa passar por cima das conquistas e dos avanços que tivemos nos últimos anos.

Um país e um povo que já viveu recentemente uma ditadura militar, um regime de ilegalidades e de arbitrariedades, não permitirá que se passe por cima das eleições e da democracia e nem que se atropele a Constituição Cidadã, que coroou os novos tempos duramente conquistados a custo de valorosas vidas de brasileiros, ilustres e anônimos, que não puderam ver prosperar seus ideais.

Em nome desses e de todas as pessoas de bem deste país, vamos defender, em nossas casas, em nossas vizinhanças, entre nossos amigos e nas ruas com a bandeira do Brasil em punho, a liberdade, a legalidade e o cumprimento da Constituição Federal. Vamos defender com unhas e dentes o que duramente conquistamos um dia e que agora está em risco.

Não há fundamento legal para o impeachment da presidenta Dilma. Vivemos em uma democracia, a impopularidade não é razão para se tirar um governante.

Não construiremos consenso na ilegalidade. E repito: um povo que viveu recentemente uma ditadura militar e conquistou duramente a liberdade e a legalidade, não permitirá o retrocesso.

*José Roberto Fonseca é secretário de Juventude do PCdoB no Distrito Federal, assessor parlamentar no gabinete da senadora Vanessa Grazziotin e assessor da Vice-Presidência do PCdoB

Fonte: Blog Projetos para o Brasil