Aldo Fornazieri: A derrota moral do golpe-impeachment
Embora não ainda liquidado política e factualmente, o movimento do golpe político via processo de impeachment já foi derrotado moralmente. A semana passada foi o marco dessa derrota. Uma conjunção e convergência de eventos e percepções constituiu a evidência dessa derrota. Ninguém sabe ainda qual será o desfecho do processo.
Por Aldo Fornazieri*, no Jornal GGN
Publicado 21/12/2015 10:46
Mas, mesmo que o golpe venha a ser consumado, o que, nesse momento, se afigura bastante difícil, ele expressará uma vitória formal ante uma derrota política e moral. Seria mais uma daquelas vitórias sem honra e sem dignidade por trazer a marca da ilegitimidade.
O primeiro revés do golpe consistiu na reação e na resistência de uma onda crescente de consciência democrática e constitucional que foi se espraiando em diversos segmentos da sociedade. De forma espontânea e através de manifestações públicas de juristas, intelectuais, lideranças sociais e de representantes de instituições da sociedade civil, o caráter golpista e ilegítimo foi denunciado, chamando-se a atenção acerca da ausência de um fundamento jurídico para o mesmo, acerca das motivações meramente políticas de seu desencadeamento, sustentadas às claras por Eduardo Cunha e pelo PSDB e à meia-sombra por Michel Temer e setores do PMDB. Ficou evidente o rebaixamento do instrumento legal do impeachment a mero artifício político para perpetrar uma ilegalidade tendo em vista o poder do Estado.
Esta reação cívica e democrática teve um momento-síntese na manhã do último dia 16 de dezembro na Faculdade de Direito, no histórico Largo de São Francisco. Velhos juristas, muitos dos principais intelectuais contemporâneos e jovens professores de várias universidades e alunos marcaram de forma categórica a ilegitimidade do golpe-impeachment. O ato foi unitário, pluralista e apartidário. Não se tratou de defender o governo, pois ali estavam vários de seus críticos. Mas tratou-se de defender a Constituição e a democracia.
No final da tarde do mesmo dia foi a vez da sociedade civil, dos movimentos sociais e de indivíduos dotados de consciência democrática e constitucional, que reagiram em ato com cerca de 100 mil pessoas iniciado na Avenida Paulista. A diversidade de movimentos sociais e de representações de entidades da sociedade civil que lá compareceram evidenciou que a consciência democrática e o Estado de Direito têm linhas de defesa entrincheiradas para resistir não só ao golpe político, mas também à onda conservadora que o carrega com o objetivo de atacar direitos sociais, direitos civis e de jogar sobre os ombros dos trabalhadores o peso brutal dos custos da crise econômica.
Se o ato da manhã estabeleceu um conforto para as consciências e a evidência de que a degradação política do país não corroeu os sentimentos democráticos e cívicos de muitos brasileiros, o ato da tarde estimulou o animus beligerandi do qual os movimentos sociais e a sociedade civil nunca devem se desfazer para que a luta por direitos e democratização não recue em face das investidas de seus inimigos. Para enfrentar o sequestro da democracia no mundo de hoje e as ondas conservadoras, as batalhas da consciência cívica e democrática não podem se apartar das batalhas de rua por direitos.
A Defesa da Constituição
Os articuladores do golpe-impeachment sofreram duas derrotas em outras frentes. O STF barrou os artifícios inconstitucionais que Eduardo Cunha, o PSDB e Michel Temer delinearam para encaminhar o processo de julgamento da presidenta da República. Ao definir o rito do processo e ao anular a votação secreta da Câmara dos Deputados, o STF salvaguardou a Constituição que vinha sendo vilipendiada pela ânsia desse grupo político em se apossar do poder.
Bastou que o STF restabelecesse o rito legalista e constitucional para que os manipuladores de opinião e os idiotas da objetividade (analistas jurídicos e políticos de plantão) desencadeassem uma nova investida para sustentar a tese de que o Supremo havia decidido em favor do governo em mais um ato de judicialização da política. Provavelmente não leram a Constituição.
A Constituição prevê apenas três possibilidades do uso de voto secreto definidas no Artigo 52, incisos III, IV e XI. Nenhuma delas está ligada ao processo de impeachment. Já os regimentos da Câmara e do Senado preveem o uso do voto secreto apenas para a escolha dos membros das respectivas Mesas Diretoras. As designações do uso do voto secreto são formalmente definidas por se tratarem de exceções à regra. A regra são as votações abertas e este princípio decorre do fato de que o Brasil é uma República, fator que fundamenta o princípio da publicidade e da transparência de todos os atos do poder público e, principalmente, quando esses atos são efetuados pelos representantes da sociedade. Não resta dúvida de que o movimento golpista tentou viabilizar uma série de artifícios inconstitucionais para fazer valer seus interesses.
A Farsa do Governo de Unidade
A farsa que os golpistas vinham sustentando há meses, de que Michel Temer encabeçaria um governo de unidade nacional, também caiu por terra. Em primeiro lugar, Temer revelou-se um conspirador. Qualquer governo que ele viesse ou venha a encabeçar, no contexto dessa conjuntura, traria ou trará a marca da ilegitimidade. Terá uma forte oposição de cidadãos dotados de consciência democrática e dos movimentos sociais e importantes setores da sociedade civil.
Temer não só não é capaz de unir o país, mas carrega os emblemas da desconfiança preventiva já que 56% da população julgam que ele faria um governo igual ou pior do que o governo Dilma, como mostra a pesquisa do Datafolha. Ademais, Temer aprofundou a divisão interna no próprio PMDB. A tese do governo de unidade nacional era uma cortina de fumaça para esconder interesses escusos e para enganar os incautos. Sequer a maioria das pessoas que quer o impeachment acredita na viabilidade de um governo Temer.
Por fim, é preciso reiterar o fato de que a grave crise econômica não terá um enfrentamento adequado e eficaz enquanto perdurar a atual crise política artificial fabricada pelo PSDB, por Eduardo Cunha e por setores do PMDB capitaneados por Michel Temer. A questão de fundo da crise política artificial é a conspiração para destituir a presidenta da República.
Nenhum governo consegue governar enquanto permanecer ameaçado por um movimento golpista. O aventureirismo de Cunha e a irresponsabilidade do PSDB e de Temer estão produzindo milhares de desempregados e agravando a desorganização econômica do país. Desencadeado o processo de impeachment declarou-se uma guerra política. As mesuras, as conversas e o pudor foram deixados de lado. Derrotar o movimento golpista é o caminho mais rápido para restituir condições mínimas de governabilidade. Daí por diante, Dilma e o governo terão que fazer sua parte que até agora não fizeram.