A tentativa de Israel de chantagear a diplomacia brasileira

Arrogância. Esta é a palavra que define melhor a atitude do governo de Tel Aviv de nomear um líder dos assentamentos ilegais na Cisjordânia e Jerusalém Oriental como embaixador no Brasil, o argentino naturalizado israelense Dani Dayan.

Por José Carlos Ruy

Dani Dayan

Essa nomeação procurou criar uma saia justa para nossa diplomacia pois o Brasil, a exemplo da imensa maioria das nações, e fiel às resoluções da ONU sobre a questão, nunca aceitou a incorporação ilegal de territórios palestinos por Israel. São territórios ocupados militarmente, criando dificuldades insuperáveis e cruéis para os palestinos que lá habitam, com o sistemático roubo das águas e das terras férteis das aldeias habitadas por palestinos, com o objetivo de inviabilizar a concretização da ideia, aprovada pela ONU e pela comunidade internacional, de dois Estados independentes como solução para o histórico conflito na região.

O governo sionista de Israel não aceita isso, perseguindo a tese de um imaginário grande Israel que ocuparia todas as terras da região (incluindo a Faixa de Gaza), e afastaria os palestinos.

A jogada de Benjamin Netanyahu é torpe e desleal – na hipótese remota de Brasília acatar a imposição israelense e aceitar aquele embaixador que representa os colonos ilegais, a defesa brasileira dos direitos palestinos ficaria desmoralizada, comprometida pela incoerência.

A trapaça israelense foi descoberta há quatro meses quando, rompendo com toda ética do protocolo diplomático, Netanyahu divulgou, pelo twiter, em 5 de agosto, a nomeação de Dayan como embaixador no Brasil.

Arrogância dupla, que se avizinha da má fé: primeiro, pela nomeação de um líder dos colonos ilegais. Depois, por divulgar a decisão antes de comunicá-la ao governo brasileiro, à margem de qualquer prática diplomática normal e aceitável entre países soberanos e amigos. O governo de Netanyahu revelou-se não-amigo do governo brasileiro, para dizer o mínimo.

Coberto de razão pela atitude pouco amistosa dos sionistas que mandam em Tel Aviv, o governo brasileiro usou a prática normal para demonstrar sua discordância: deixou sem resposta o pedido de agrément (“aceitação”) feito por Israel. Em linguagem diplomática isso corresponde à não aceitação da manobra representada pela nomeação indesejada. Silêncio que corresponde a um sonoro não.

Em dezembro, Israel voltou à carga e passou a pressionar o governo brasileiro para aceitar a nomeação de um embaixador que, no mínimo, não cumpre a legislação internacional e rejeita resoluções da ONU, sendo um dos dirigentes da repressão e do genocídio contra os palestinos.

A vice-ministra das Relações Exteriores de Israel, Tzipi Hotovely, esbravejou ao anunciar que não será nomeado outro embaixador. Se seu nome não for aceito, disse, será criada “uma crise e é melhor não chegarmos até isso", rosnou. Ela disse também que a pressão de Israel será feita através de "ferramentas alternativas públicas", entre elas a imprensa. E também vai usar a comunidade judaica no Brasil, pessoas próximas à presidenta Dilma Rousseff, além de apelos diretos do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, ao governo brasileiro.

Dayan foi presidente, entre 2007 2013, do Conselho Yesha (Conselho da Judéia e Samaria, nomes bíblicos usados pelos sionistas para designar o território ocupado da Cisjordânia). E que representa os 700 mil israelenses que vivem ilegalmente em terras roubadas na Judéia, Samaria e Jerusalém Oriental.

Dayan iniciou em dezembro uma ofensiva para forçar o governo brasileiro a ceder à chantagem. Chegou a dizer que as pressões feitas pelo governo de Netanyahu foram insuficientes! E alegou que isso abre um precedente que impedirá moradores de assentamentos de representar Israel no exterior.

Esse direitista belicoso, que pretende ser embaixador em um país amigo, tentou desqualificar as divergências como “ideológicas” e chegou a dizer o governo brasileiro não aceita sua indicação por ser “esquerdista”!

A ação pouco diplomática de Benjamin Netanyahu recebeu críticas à direita e à esquerda em seu próprio país. O direitista Avigdor Liebermann, que foi ministro das Relações Exteriores, criticou o governante por não respeitar o protocolo diplomático que exige, antes da divulgação do nome, a consulta ao país que receberá o embaixador. Em sua opinião, Dayan seria aceito em vários países, “mas nunca no Brasil governado por Dilma Rousseff”.

Três diplomatas israelenses também manifestaram seu inconformismo ao embaixador Henrique Sardinha, chefe da missão diplomática do Brasil em Israel. Recomendaram a ele que aconselhasse ao governo de Brasília a não acatar a faca posta por Netanyahu em seu pescoço. “Para o Brasil é um escândalo que Israel queira mandar um líder dos colonos como seu embaixador”, disse um deles, sob anonimato, ao Times of Israel.

Apoiados por militantes da esquerda israelense e pelo ex-deputado do partido Meretz, Mossi Raz, disseram a representantes da embaixada brasileira e da Autoridade Palestina ser inaceitável a nomeação do representante dos colonos ilegais. “Aceitar a nomeação de Dani Dayan será o mesmo que dar legitimidade internacional à colonização (nos territórios ocupados da Cisjordânia).”

Posição semelhante à do diplomata Celso Amorim, que foi ministro das Relações Exteriores e da Defesa do Brasil e tem grande influência na diplomacia brasileira. “Aceitar como embaixador uma pessoa que foi líder de políticas de assentamentos em Israel seria uma aceitação tácita dessa política, à qual o Brasil se opõe. Não é possível aprovar esse embaixador”, disse ele, reproduzindo, com clareza diplomática, o imbróglio criado por Benjamin Netanyahu com sua tentativa inaceitável de nomear Dani Dayan.

Há indicações ambíguas sobre a saída que Israel dará ao imbróglio. A vice-ministra Tzipi Hotovely aponta para o rebaixamento da representação diplomática em Brasília, que está a cargo do segundo homem da embaixada, o ministro Lior Ben Dor, desde que o titular, Reda Mansour, voltou a Israel. Há também a hipótese, divulgada pela agência noticiosa russa Sputnik, de um eventual recuo de Israel e da indicação de um novo nome. Dadas as circunstâncias, este segundo cenário exigirá atenção redobrada do governo brasileiro, ante uma provável nova armadilha.

São especulações, claro. Mas o governo da presidenta Dilma Rousseff marcou um golaço na defesa da soberania brasileira. E do exercício plenamente autônomo, como não podia deixar de ser, desde que embaixadores brasileiros não tiram mais seus sapatos em aeroportos estrangeiros (como aconteceu com Celso Lafer, chanceler de Fernando Henrique Cardoso, humilhado em aeroportos nos EUA em 2001). A diplomacia dirigida por Dilma Rousseff não cede à chantagem, em nome da soberania nacional, do respeito à legislação internacional e pela independência e autodeterminação do povo palestino.