Assassinado pela ditadura, morte de Manoel Fiel Filho completa 40 anos

O assassinato de Manoel Fiel Filho naquele 17 de janeiro de 1976, na carceragem do DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo, não teve a mesma repercussão da morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida menos de três meses antes no mesmo local e em circunstância semelhante.

Manoel Fiel Filho - Agência Brasil

Assim como Vladimir, Fiel foi morto sob tortura dos agentes da ditadura. A imprensa só soube do acontecido três dias depois, após a divulgação de uma nota lacônica pelo 2º Exército informando que o metalúrgico havia cometido suicídio.

Apesar da pouca repercussão, o vazamento do assassinato do metalúrgico irritou o presidente Ernesto Geisel, que mandou demitir o comandante do 2º Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, o que não interrompeu com as violações aos direitos humanos nos porões da ditadura.

Em entrevista à Agência Brasil a mulher e as filhas de Manoel Fiel Filho relataram os momentos de apreensão que antecederam o assassinato de Fiel Filho. “Meu marido morreu e salvou a turma que estava presa lá [no DOI-Codi]”, disse Thereza Fiel àAgência Brasil, ressaltando que o assassinato do marido provocou mudanças no tratamento dado aos presos políticos da época.

Ela contou que, como fazia todas as manhãs, Manoel Fiel Filho acordou cedo, banhou-se, tomou café e foi para a Metal Arte, no bairro da Mooca, na cidade de São Paulo, onde trabalhava como prensista. Era uma sexta-feira, 16 de janeiro de 1976, e, por volta do meio-dia, dois homens, sem qualquer ordem judicial, o retiram do trabalho, foram com ele até a sua residência, na Vila Guarani, revistam a casa em busca de exemplares do jornal Voz Operária, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), nada encontram e, sob os olhares apreensivos da mulher, Thereza Fiel, levam o metalúrgico para o Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). “Ele me deu um beijo na testa e foi embora. Eu falava: ‘Não leva ele, não", disse Thereza, ao lembrar que o marido chegou a dizer que voltaria logo. "E ele nunca mais voltou".

Após o sequestro de Fiel, Thereza reuniu toda a família, incluindo as duas filhas, e peregrinou por várias delegacias de polícia em busca de informações do companheiro. “Um conhecido da Polícia Civil disse que ele estava na Operação Bandeirantes [grupo criado em 1969 pelo Exército, com apoio de empresários para coordenar todas as operações dos órgãos de repressão] e que só se entrava lá com ordem do presidente da República”.

Thereza soube da morte do marido no dia seguinte, sábado, 17 de janeiro de 1976. Por volta das 22 horas, um carro parou em frente à casa. "Desceu um fulano com um saco de lixo preto na mão". Ele disse: '‘Essa aqui é a roupa dele, e ele está morto'."

Um bom marido

Um marido trabalhador e amoroso. É assim que Thereza, hoje com 83 anos, relembra Manoel. “Trabalhava na firma e ainda me ajudava em casa. Era bom demais. Atencioso, me ajudava bastante. Adorava as filhas. Marido igual àquele não se acha mais”, disse, emocionada.

Manoel saiu de Quebrangulo, em Alagoas, em 1950 em busca de uma vida melhor em São Paulo. Trabalhou como padeiro e cobrador de ônibus antes de se tornar metalúrgico, exercendo a atividade de prensista na mesma empresa por 19 anos. Embora a família não soubesse, ele era responsável pela difusão do jornal Voz Operária, do Partido Comunista Brasileiro, e pela organização do partido entre os operários das fábricas do bairro da Mooca, conforme relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

A morte do metalúrgico ocorreu menos de três meses após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, no mesmo local e em circunstâncias parecidas, sob a versão oficial de suicídio.

As mortes em sequência de Herzog e de Manoel Fiel Filho, foram para Clarice Herzog, viúva do jornalista, uma demonstração de como a impunidade acobertava as ações criminosas dos agentes da ditadura.

“A impunidade era tão grande. Eles se sentiam tão poderosos que podiam mostrar aquela foto do Vlado enforcado com pé no chão e o Fiel Filho enforcado, sentado numa privada. É uma vergonha, porque nem se preocupavam em fazer uma farsa bem-feita, porque a impunidade para eles era total”, disse