Ajuda do governo à Petrobras é essencial à soberania, diz ex-diretor

Especialistas denunciam que, desde que a Petrobras retomou sua hegemonia no mercado de petróleo brasileiro e anunciou mudanças como do marco regulatório, há um movimento de desvalorização da estatal, na tentativa de resgatar o maior controle do capital estrangeiro na empresa, de olho nos frutos do pré-sal.

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Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras e geólogo, defende que a dificuldade financeira da Petrobras também é uma questão de governo, já que a saúde da estatal diz respeito à soberania do país construída ao longo dos últimos anos. Questionado pelo JB sobre a sinalização do governo para a possibilidade de uma política para salvar a estatal, Estrella destacou que este foi um posicionamento "excelente".

O ex-diretor participou na manhã desta sexta-feira (29) do seminário "A Petrobras face ao preço do Petróleo", coordenado pelo professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Relações Institucionais da Coppe. O evento buscava debater as "questões objetivas e subjetivas" que afligem a empresa de petróleo brasileira, e apontar para saídas.

Para os especialistas que participaram da mesa, desde que a Petrobras retomou sua hegemonia no mercado de petróleo brasileiro, em meados da década passada, e anunciou mudanças como do marco regulatório, foi iniciado um movimento de enfraquecimento da estatal, na tentativa de resgatar o maior controle do capital estrangeiro na empresa, de olho, principalmente, nos frutos do pré-sal.

"Eu fiquei muito feliz com essa sinalização de que o governo possa mudar sua postura em relação à crise financeira que a empresa está vivendo", salientou o ex-diretor da Petrobras.

Estrella chamou atenção para o exemplo americano, que na crise de 2008 aplicou capital em grandes corporações, por considerá-las estratégicas para a soberania norte-americana. "O governo brasileiro tem essa obrigação [em relação à Petrobras], [por ser uma] empresa estratégica do Brasil, que não pode ficar sendo pressionada pelo mercado, não pode ser governada pelo mercado, é uma empresa estratégica de soberania nacional", disse ao JB.

Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia presente no seminário, também defendeu que a dívida não é só da Petrobras, é também do governo. "Se a empresa é estratégica para o país, a solução não pode ser de mercado."

Em meados de janeiro, o economista Carlos Lessa, em entrevista ao JB, também declarou que é "inteiramente favorável" a um possível investimento de reserva cambial do governo na Petrobras para ajudar na recuperação da estatal. Na quela semana, a presidenta Dilma Rousseff havia falado durante café da manhã com jornalistas que não descarta a adoção de uma política por parte do governo para salvar a Petrobras. A mandatária também reforçou que a estatal "tem se adaptado" às dificuldades econômicas enfrentadas.

"O caso da dívida da Petrobras tem que ser olhado sob esse ângulo também [de preservar todo o patrimônio que foi construído nos últimos anos. Na minha opinião, pessoal, esse é um problema do Brasil, do governo brasileiro, não é só da Petrobras", ressaltou Estrella. "Nós saímos de uma situação absolutamente dependente em 2002 para uma situação de soberania absoluta em termos de energia e de construção de uma infraestrutura energética para o desenvolvimento industrial brasileiro", completou.

Estrella abordou, na ocasião, a importância da trajetória firmada a partir de 2003 na Petrobras, para tirar o país de uma posição de dependência para uma posição de país soberano, lembrando que a política implementada durante o governo FHC era de aumentar a participação estrangeira no mercado de petróleo brasileiro.

Guilherme Estrella entrou na Petrobras em 1965, como geólogo de poço de petróleo na área de Exploração e Produção (E&P). Mais tarde, em 1977, quando era gerente de Exploração da Braspetro no Iraque, foi um dos responsáveis pela descoberta do gigantesco campo de Majnoon naquele país — que na época se estimava que produziria mais de 1 milhão de barris por dia. Anos depois, o Iraque foi invadido e ocupado por tropas estrangeiras por causa do campo de Majnoon.

Estrella se aposentou em 1993, mas foi convidado no primeiro ano do governo Lula, em 2003, para assumir o cargo de diretor da área de E&P, quando a estatal começava a abraçar grandes projetos e deixar de lado a política do governo anterior, que era voltada para um esforço de redução da participação da estatal no mercado de petróleo internacional, para deixar 60% do mercado para o capital estrangeiro.

"A situação do endividamento da companhia, na minha opinião, se deve (…) a grandes investimentos da Petrobras, depois do governo Lula, isso é importante dizer. Porque até 2002, com a queda do monopólio, a Petrobras foi reduzida na sua participação no setor petrolífero nacional", destacou Estrella.

"Assumimos a diretoria e ficou muito claro que a Petrobras teria que reassumir o seu papel de condutora do setor petrolífero nacional, hegemonicamente, como era antes", afirmou. "Mudamos de um país dependente, em 2002, para um país completamente autossuficiente, e não momentaneamente, autossuficiente para todo o século 21, em termos de combustível, com condições de ganhar autossuficiência em outras áreas."

Para Celestino, a Petrobras "sofreu um golpe profundo no governo FHC", "que tinha como objetivo torná-la irrelevante no mercado internacional".