Como era a Argentina há um mês, quando Milagro Sala foi presa?

Maurício Macri acabava de completar 30 dias de mandato e já deixava bastante claro o que pretendia fazer com o país. O “aniversário” de um mês na presidência foi no dia 10 de janeiro e no dia 16 a dirigente indígena Milagro Sala foi presa, dentro de casa, em uma operação policial que contou com mais de 40 oficiais. De lá para cá a Argentina parece ter se transformado num campo minado, com gente insatisfeita por todos os lados, e Milagro continua presa.

Por Mariana Serafini

Repressão policial na Argentina - Partido Humanista da Argentina

Maurício Macri foi o primeiro candidato de direita a chegar ao poder na Argentina pela via democrática. Ele venceu por pouco mais de 700 mil votos seu opositor apoiado por Cristina Kirchner, Daniel Scioli. A concorrência acirrada mostrou uma Argentina pronta para estourar a qualquer medida impertinente do novo presidente. Como não foram poucas, até o momento, as medidas impertinentes, intransigentes e até inconstitucionais, manifestações tomam conta das ruas das principais cidades.

Há um mês, quando Milagro Sala foi presa, aconteciam manifestações na Praça de Maio contra as demissões em massa no setor público. Até o momento haviam sido demitidos mais de 20 mil funcionários. Agora já passam de 43 mil, uma verdadeira caça às bruxas do funcionalismo público. O argumento governamental é de que os demitidos são “nhoques”, como são chamados os funcionários fantasmas na Argentina. Os supostos “nhoques” não foram identificados por meio de uma auditoria, mas sim com interrogatórios incisivos que questionaram as tarefas nas horas vagas e até mesmo a militância e a posição política.

Quando Milagro Sala foi presa a tarifa de energia elétrica era subsidiada pelo governo e os consumidores pagavam em torno de R$30 por bimestre, depois dos ajustes de Macri a tarifa pode chegar a mais de R$200 por mês. Segundo ele, era necessário “desafogar” o Estado, mas as empresas distribuidoras de energia são privadas.


Milagro Sala é a primeira presa política do governo Macri 


Antes da prisão de Milagro Sala a Argentina era um país vitorioso, depois de mais de um ano de lutas incansáveis da presidenta Cristina Kirchner para não pagar a dívida abusiva dos fundos abutres. Nesse meio tempo, Macri já anunciou que vai negociar a dívida e pagá-la, mesmo que seja cobrado três vezes mais que o valor original.

Milagro foi para o cárcere enviando uma mensagem por meio de sua conta oficial no Twitter que dizia “isso parece uma ditadura”. O curioso é que até a ditadura argentina – uma das mais sanguinárias do continente – reivindicou a retomada do controle das ilhas Malvinas. Macri, porém, já anunciou que o território, chamdo Falklands, pertence à Inglaterra e a Argentina abre mão da luta, da história e da honra de quem tombou em batalha em defesa deste solo argentino.

Movimentos sociais, organizações políticas e ativistas dos Direitos Humanos de diversas partes do mundo já enviaram comunicados, notas e solicitações ao presidente Maurício Macri pela libertação de Milagro Sala. O presidente não deu ouvidos, parece menos acessível que o papa. Afinal, o pontífice não demorou mais que uma semana para responder ao chamado do povo argentino que pediu sua ajuda para libertar a dirigente indígena. Em nota o Vaticano respondeu que Francisco está “muito preocupado” com esta violação aos direitos humanos.


Milagro Sala em audiência com o papa no Vaticano em 2014


Durante sua visita ao México, no final de semana, o papa enviou, por meio de uma pessoa de sua confiança, um terço benzido para que Milagro Sala tivesse um sinal de que ele está empenhado em contribuir no caso. No próximo dia 27 de fevereiro o pontífice estará na Argentina, onde terá uma audiência com o presidente e prometeu abordar o tema. A esperança é que Macri tenha ouvidos ao menos para o líder supremo da Igreja Católica, religião a qual ele diz ser devoto.

Neste sábado (13), dezenas de artistas, liderados pelo músico Fito Paez, fizeram um show em um parque de Buenos Aires a fim de protestar contra as medidas neoliberais de Macri, o presidente que encontrou nos Decretos de Necessidade de Urgência uma ferramenta eficaz para atacar a Constituição, fortalecer o mercado, reduzir o Estado e sucatear os serviços públicos. Se durante oito anos de governo Cristina Kirchner usou o recurso apenas 29 vezes, em dois meses o novo chefe de Estado já assinou mais de 260 decretos.


Manifestação pela libertação de Milagro Sala na Praça de Maio 


A Praça de Maio, palco de grandes manifestações ao longo da história argentina passou tempos de calmaria durante a gestão dos Kirchner (Néstor e Cristina), mas agora se tornou novamente um ponto de encontro de toda e qualquer pessoa que esteja insatisfeita com a administração neoliberal de Macri. As bandeiras de luta são muitas: pela reintegração dos funcionários públicos demitidos, libertação de Milagro Sala, contra os ajustes fiscais, contra o sucateamento dos serviços públicos, contra os cortes de recursos na Cultura.

Passou apenas um mês, mas para Milagro no cárcere, e para quem está sofrendo os ajustes de Macri no dia-a-dia este período pode ter soado como uma eternidade. O pior é que ainda faltam 3 anos e 10 meses para o fim do mandato do presidente que chegou ao cargo prometendo uma Argentina com “emprego para todos”, democrática, livre e rica.