Chico Buarque – Um brasileiro

Estive no Rio e fui até o cine República, no Catete, ver o filme “Chico – Artista brasileiro”. Saí da sala com uma sensação agradável. Peguei-me a pensar cá com os meus botões: sim, o Brasil é uma grande nação e entre os expoentes dessa civilização nova – herdeira de tantos povos e capaz da reinvenção de culturas – estão os artistas, sendo o Chico um dos seus nomes mais marcantes.

Por Rosemberg Cariry*

Chico Buarque

Longe do mito, o que encontramos no filme é um Chico bastante à vontade, como se estivesse numa conversa de botequim, cheio de bom humor, rindo dos outros e de si mesmo, sem saudades do passado, longe da vã glória dos seus feitos e conquistas. Que fala da sua música, poesia e literatura, como um sapateiro fala do sapato que fez, embora saibamos que esse homem, mais do que um sapato, criou algumas das mais encantadoras joias do cancioneiro e da literatura nacional e latino-americana.

Ele não falseia o seu sentimento de pertença, não diz por dizer, não “faz fita” (não é um bom ator), não sabe mentir – tudo o que fala parece sair da alma, feito um jorro da água mais cristalina. Pode ser visto como uma expressão dadivosa do chamado povo brasileiro. “Mas Chico Buarque é da elite”, já ouvimos alguém argumentar, cheio de razões estreitas. Sim, é certo, Chico pertence à elite criativa e intelectual brasileira, mas que pensa um projeto de nação, onde também está o povo, integrando com ele uma mesma comunidade de destino.

Sob a admirável direção de Miguel Faria Jr., Chico Buarque vai se despindo dos seus véus (fama, glória, fortuna crítica, idolatria etc.), mas com isso só crescem o homem e o artista. É alguém que está ali pertinho (na tela), no mesmo barco, chamando-nos ao riso ou à reflexão, sem medo de esconder sucessos e fracassos ou de falar sobre a velhice, o tempo, a impermanência e a finitude. Ele sequer expressa a pretensão de que a sua obra fique e que seja duradoura para as gerações futuras. Em verdade, a sua obra já não é sua, pois vive e recria-se no coração de cada pessoa, de milhões de pessoas.

O filme talvez tenha sido feito para nos lembrar disso: Chico Buarque de Holanda é um brasileiro. Como nós, ele sonha, ama, sofre e luta pela construção dessa nação feita de tantas cores e culturas, de tantos embates e abismos. Está para além da estupidez dos que marcham, pedindo saudosos a volta da ditadura que lhes pariu. Sim, esse homem delicado e cordial é um tipo como nós, sendo porém um brasileiro de maior grandeza, que muito tem ajudado na construção da nossa alma coletiva.

Rosemberg Cariry é cineasta