Unctad defende maior gasto público para enfrentar a crise

Gastar mais. Essa é a receita que o chefe da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), Alfredo Calcagno, oferece aos países ricos, como saída para a crise global. Em entrevista ao Valor Econômico, ele defendeu que um incremento do gasto público de 4,4% do PIB, durante cinco anos, resultaria em crescimento acumulado adicional de 2,5 pontos percentuais.

alfredo calcagno

Para o organismo da ONU, as dificuldades atuais dos mercados não sinalizam, necessariamente, que uma nova recessão global se avizinhe. Segundo Calcagno, a grande crise que eclodiu em 2008, na verdade, não foi superada. E, para ele, "a confiança no mercado financeiro volta com o crescimento e não com austeridade".

Segundo ele, diante da gravidade da situação desencadeada em 2008, países desenvolvidos e em desenvolvimento adotaram políticas anticíclicas, com injeção maciça de dinheiro e políticas fiscais muito ativas. "Todo mundo fez política expansionista, com bons resultados, e conseguiu controlar [o pior da crise]", afirmou.

Em 2010, contudo, os países desenvolvidos avaliaram que a crise já teria sido debelada e que a maior preocupação deveria ser a inflação ou o endividamento excessivo do setor privado. O chefe da agência nas Nações Unidas avalia então que a estratégia que passou a ser adotada pelos governos, especialmente na Europa, – de política fiscal restritiva, combinada com uma política monetária expansionista – foi equivocada e levou à uma segunda etapa da crise.

"Se as empresas e famílias estão se desalavancando [reduzindo suas dívidas], não vão recorrer a crédito. Se não há demanda, é difícil investir. A enorme liquidez [fornecida pelos bancos centrais] serviu não para relançar a economia e sim para evitar que os bancos não quebrassem", acrescenta Calcagno.

Agora, avalia, a economia mundial está passando pela terceira etapa da mesma crise financeira, com o contágio dos emergentes, que sofrem com desaceleração ou contração econômica, saída de capital, queda dos preços de matérias-primas.

Calcagno crê que os problemas de fundo que deram origem à crise não foram solucionados. Ele cita, por exemplo, a concentração de renda, o uso inadequado de políticas macroeconômicas e uma regulação financeira deficiente. De acordo com sua avaliação, aspectos como estes inibiram o crescimento da demanda e afetaram as economias.

Ao Valor, a Unctad defende então uma mobilização dos países desenvolvidos. "Segue havendo problema de demanda global e os que têm mais margem de manobra são os países industrializados'', diz o economista.

Ele destaca que, na esteira da crise, quase todos os países da zona do euro passaram a ter superávit nas contas correntes. Segundo ele, eles países poderiam ampliar seus investimentos em infraestrutura, transição para economia verde e programas de redistribuição progressiva de renda.

"Inclusive países que têm déficit fiscal, com os juros tão baixos hoje, podem estimular investimento público. O crescimento econômico se recupera com maior gasto em infraestrutura, por exemplo. Isso aumenta depois a arrecadação de impostos, portanto não teria mais déficit. Também é importante combater a evasão fiscal."

Em outubro do ano passado, Calcagno já tinha dado declarações semelhantes. Na ocasião, também defendeu o aumento do gasto público como forma de combater a crise. Segundo ele, o aumento da dívida nem sempre é ruim: o importante é saber como gastar os recursos, optando por obras que geram atividade econômica e retorno para os cofres públicos.

Naquele momento, contrariando o discurso dos que defendem insistentemente o corte de gastos e a política de austeridade a qualquer custo, Calcagno disse que até os países como o Brasil deveriam apostar na ampliação de investimentos públicos para superar a recessão. “O Brasil tem reservas, com as quais pode tentar apoiar a reindustrialização”, destacou o economista à época.