Putin: Ocidente planeja interferir nas eleições parlamentares russas

A reunião anual do Serviço Federal de Segurança (FSB) da Rússia, organismo que ocupou o lugar do KGB da era soviética, é uma ocasião importante para avaliar a temperatura das relações "Leste-Oeste" (o clichê da Guerra Fria tornar-se útil outra vez). O discurso habitual do presidente Vladimir Putin na reunião do FSB, no dia 26 de fevereiro, foi o marco culminante deste evento em Moscou.

Por M K Bhadrakumar*

Vladímir Pútin, durante encontro do Serviço Federal de Segurança da Rússia

A parte sensacional do discurso de Putin é a sua revelação de que o FSB está de posse de informação clara de que no ocidente estão a tramar conspirações (plots) para provocar confusão política na Rússia no momento em que o países avança para a eleição crucial do parlamento, em outubro. Putin evitou utilizar a expressão "revolução colorida", mas apontou para isso. Para citá-lo:

"Naturalmente, vocês (o FSB) também devem impedir quaisquer tentativas vindas do exterior para intervir na nossa eleição e na vida política do nosso país. Como sabem, tais métodos existem e foram postos em uso num certo número de países. Deixe-me reiterar que isto é uma ameaça direta à nossa soberania e responderemos em conformidade".

"Leio os documentos regulares que vocês (FSB) preparam, leio os sumários e vejo as indicações concretas do que, lamentavelmente, os nossos malfeitores (ill-wishers) no exterior estão a preparar para estas eleições. Todos portanto deveriam estar conscientes de que defenderemos os nossos interesses com determinação e de acordo com as nossas leis".

Mais adiante, Putin notou que agências de inteligência estrangeiras "aumentaram sua atividade" e isto foi "convincentemente confirmado" quando no ano passado a contra-inteligência do FSB interditou mais de 400 agentes de agências de inteligência e iniciou processos criminais contra 23 deles.

Ele mencionou organizações governamentais, instalações militares, empresas industriais da defesa, o setor de energia e "importante centros de investigação" como particularmente vulneráveis. Disse Putin: "Precisamos cortar todos os canais de acesso a informação confidencial".

No conjunto, foi projetado um cenário sombrio quanto às relações russo-americanas durante o período que resta da presidência de Barack Obama. A questão central para a Rússia desde o começo é que os EUA interferem nos seus conflitos políticos internos tendo em vista criar desarmonia política e enfraquecer o Kremlin, forçando-o a adotar políticas que estejam em harmonia com estratégias americanas regionais e global.

Naturalmente, o lado russo também deve ser culpado por este estranho paradigma. Permanece o fato de que na eleição presidencial de 1996 Borís Iéltsin quis o dinheiro, o apoio político e o patrocínio americano a fim de travar a maré, que naquele momento parecia quase como uma vitória certa do líder do Partido Comunista, Guenadi Ziugánov.

Houve interferência em grande escala naquele momento por parte dos EUA e dos seus aliados europeus (e do FMI) e a "perícia" americana certamente desempenhou um papel crucial para assegurar a vitória de Iéltsin. Quando a campanha começou, a intenção de votos em Iéltsin mantinha-se nos 6% e ele acabou por vencer a eleição com 54% dos votos após um contundente primeiro round com Ziugánov (um relato contemporâneo da revista Monthly Review dá pormenores fascinantes abaixo do subtítulo "Americans to the Rescue – a Russian Assignement").

Na verdade, hoje há uma grande diferença. Se nos meados dos anos 1990 os EUA precisavam de Iéltsin para continuar no poder, hoje a ênfase está na "mudança de regime". A ressurreição da Rússia sob a liderança de Putin é anátema para Washington.

Os EUA não podem suportar a Rússia (ou qualquer outro país) em modo tão nacionalista, que apresentem ventos formidáveis contra suas estratégias globais. Ao contrário da China, a qual pode inclinar-se como Beckham, a Rússia não está desejosa de inclinar-se para conquistar. Sua orgulhosa história simplesmente não lhe permite fazer isso (a propósito: está para ser visto se Moscou irá avante com os duros termos do acordo EUA-China impondo bloqueio naval à Coreia Popular).

No atual contexto, as sanções ocidentais contra a Rússia são realmente dirigidas contra o Kremlin. O cálculo estadunidense põe suas esperanças numa recessão econômica na Rússia que conduza ao descontentamento social, o qual arruinaria as possibilidades do partido dominante nas eleições e por sua vez desencadearia protestos em massa.

Putin preveniu que Moscou derrotará quaisquer desígnios dos EUA para instigar tempestade política na Rússia, não importa o que faça. Confie em Putin quanto a isto. Contudo, a grande questão permanece: Como poderiam conflitos regionais tais como a Síria ou a Ucrânia serem tratados quando as duas grandes potências estão trancadas numa luta existencial?

Idealmente, da perspectiva dos EUA, a confusão na Síria deveria ascender num crescendo até o verão, colocando a intervenção russa naquele país na mira da opinião pública russa nas vésperas da eleição no outono. Curiosamente, Putin encarregou o FSB de assegurar três coisas: uma, garantir "a segurança dos nossos pilotos… na Síria e das unidades antiterroristas que trabalham aqui dentro da Rússia"; dois, "selar eficazmente" territórios russos da infiltração por terroristas; e, três, "impedir as atividades de grupos subterrâneos" dentro da Rússia que pudessem estar a planejar ataques terroristas.

Certamente, em comparação com o entusiasmo que Putin inicialmente manifestou na segunda-feira com o acordo EUA-Rússia sobre o acordo de cessar-fogo na Síria, ele ontem foi notavelmente cauteloso enquanto discursava para o FSB. Moscou teria sentido nesta altura que Washington está a por o ônus diretamente sobre o Kremlin para que o cessar-fogo permaneça intacto, ao passo que os EUA estão ou incapazes ou não desejosos de controlar seus aliados militantes regionais, tais como a Turquia.

Na quinta-feira, Obama sublinhou que "um bocado disso (manutenção do cessar-fogo) vai depender de se o regime sírio, a Rússia e seus aliados cumprirem seus compromissos. Os próximos dias serão críticos e o mundo estará a observar".

Ele então acrescentou: "muitos sírios nunca cessarão de combater até que Al-Assad esteja fora do poder. Não há alternativa a uma transição administrada que afaste Al-Assad. É o único caminho para acabar a guerra civil e unir o povo sírio contra os terroristas".

*Foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.