Thiago de Mello, o poeta que nunca mudou de lado

Foi na embaixada do Brasil em Santiago do Chile que, em abril de 1964, o poeta Thiago de Mello recebeu a notícia do golpe militar que impôs a ditadura ao Brasil. Ele era adido cultural na embaixada e tinha, entre seus amigos, ninguém menos que o poeta Pablo Neruda, que traduziu seus versos para o espanhol, da mesma forma como ele traduzia Neruda para o português.

Por José Carlos Ruy

Thiago de Mello e Gilberto Gil - Reprodução

Já era um poeta de prestígio, amigo de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e outros escritores. Era conhecido por seus versos comprometidos com a vida. Escritor amazônico como o rio em cuja margem nasceu, mas rigoroso com a forma e, sobretudo, com o que dizia através dela. Escreveu, em mais de sessenta anos de atividade literária, mais de 20 livros.

Certa vez, em entrevista ao Diário de Pernambuco, ele definiu o compromisso estético/poético que o guia, que une arte, vida e ética. “A poesia, evidentemente, é uma arte, mas esta arte deve servir à vida. Ou seja, além de ter uma finalidade estética, deve ter uma utilidade ética. Ela não deve servir apenas à beleza, ela deve servir ao bem. Ao bem da vida”, disse.


O poeta Thiago de Mello em uma manifestação dos estudantes da Universidade Federal de Rondônia (Unir) em 2011

Naquele terrível mês de abril da história brasileira, ele escreveu, em Santiago, aquele que se tornou talvez seu poema mais conhecido – Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente), um libelo contra a ditadura e uma afirmação democrática que se espalhou pelo mundo, traduzido em mais de 30 idiomas.

Nele, “decretou”, no Artigo II: “que todos os dias da semana / inclusive as terças-feiras mais cinzentas / têm direito a converter-se em manhãs de domingo”.

Ou, no parágrafo único do artigo IV: “O homem, confiará no homem / como um menino confia em outro menino”.

Ou no Artigo VIII: “Fica decretado que a maior dor / sempre foi e será sempre / não poder dar-se amor a quem se ama / e saber que é a água / que dá à planta o milagre da flor”.

E estabelecia, no Artigo Final: “Fica proibido o uso da palavra liberdade, / a qual será suprimida dos dicionários / e do pântano enganoso das bocas. / A partir deste instante / a liberdade será algo vivo e transparente / como um fogo ou um rio, / e a sua morada será sempre / o coração do homem”.


 Pablo Neruda, Matilde Neruda e Thiago de Mello em 1963

Escreveu estas palavras na embaixada que antecipava o exílio, depois que foi preso pela ditadura por acolher perseguidos políticos. Exilou-se principalmente no Chile mas, depois, na Argentina, Portugal, França, Alemanha, até voltar ao Brasil em 1978 e fixar-se na amazônica Barreirinhas, onde nasceu e vive até hoje.

Vive como sempre viveu. Mesmo sendo reconhecido como o maior poeta brasileiro vivo – um poeta de convicções poéticas, estéticas e éticas muito claras, sempre junto aos progressistas e democratas, ao povo a quem emprestou voz e palavras. E que, ao completar 90 anos, pode dizer sem modéstia: nunca mudei de lado!

Obra

Silêncio e Palavra (poesia), 1951
A Lenda da Rosa (poesia), 1956
Os Estatutos do Homem (poesia), 1964
Faz Escuro, mas eu Canto (poesia), 1966
A Canção do Amor Armado (poesia), 1966
A Estrela da Manhã (prosa), 1968
Poesia comprometida com a minha e a tua vida (poesia), 1975
Vento Geral – Poesia (poesia), 1981
Arte e Ciência de Empinar Papagaio (prosa), 1983
Horóscopo para os que estão Vivos (poesia), 1984
Mormaço na Floresta (poesia), 1984
Manaus, Amor e Memória (prosa), 1984
Narciso Cego (poesia), 1985
Num Campo de Margaridas (poesia), 1986
Amazonas, Pátria da Água (prosa), 1991
Amazônia — A Menina dos Olhos do Mundo (prosa), 1992
O Povo sabe o que Diz (prosa), 1993
Borges na Luz de Borges (prosa), 1993
De uma Vez por Todas (poesia), 1996
Vamos Festejar de Novo (prosa), 2000