El País: Juízes justiceiros que sonham com Watergate

Jornal espanhol questiona a atuação da Justiça nos desdobramentos da crise política instalada no Brasil e que tem o objetivo de derrubar o atual projeto e retomar os planos neoliberais de privatização, saque e deterioração de direitos. "Qual Justiça decidirá sobre Lula: a que presume a inocência de todos acusados ou a que atende apenas à indignação nas ruas?", pergunta o El País.

Sergio Moro

"A Justiça decidirá quanto há de verdade nas acusações de enriquecimento ilícito que pendem sobre Lula. A questão é qual Justiça decidirá: a que presume a inocência de todos os acusados ou a que atende apenas à indignação política nas ruas", começa o artigo do El País.

O herói das manifestações numerosas contra o Partido dos Trabalhadores é o juiz federal Sergio Moro, que comanda as investigações de desvio de dinheiro da petroleira estatal.

Este, convencido pelo papel que lhe foi designado pela história, cita em seus autos o caso Watergate, paradigma de abuso de poder e queda de um presidente.

Efetivamente, Moro recorreu às proporções desse grande escândalo para justificar a gravação e a filtração de uma conversa telefônica em que a presidenta Dilma comunicava a Lula que havia enviado o termo de posse de ministro. "Use-o apenas em caso de necessidade", disse Dilma.

Interpretando de modo enviesado a afirmação de Dilma, Moro e a mídia corporativa brasileira fizeram as pessoas acreditarem que o papel se destinava a fazer com que Lula escapasse da alçada do Paraná, caindo sob investigação do Supremo Tribunal Federal.

"Vendo Lula escapar pelos seus dedos, o magistrado parecia lançar uma mensagem desesperada: façamos história, que caiam", continua o jornal.

"Ao seu resgate, veio outro juiz federal, Itagiba Catta Preta Neto, que se apressou a ordenar a anulação da nomeação de Lula porque 'a ostentação e exercício do cargo poderia tornar-se uma intervenção indevida e odiosa na atividade policial do Ministério Público'. Uma apelação curiosa, vinda desse magistrado."

"Mais de um ano atrás, antes da eleições que Rousseff ganhou novamente, o mesmo recomendava: 'Ajude a derrubar Dilma e volte a viajar para Miami e Orlando. Se ela cair, o dólar também cairá'. 'Fora Dilma', escreveu, ao lado de uma selfie, em uma manifestação. E recentemente, proclamou em seu Facebook: 'Lula pode ser ministro da Justiça. Estamos perdidos'. "

"Assim acaba a independência judicial. Apesar de as fronteiras entre o ativismo política e a Justiça serem tão difusas quanto no caso de Lula, outro magistrado, esse do Supremo, decidiu, na sexta-feira, suspender sua nomeação como medida cautelar."

"Moro, portanto, pode continuar indo atrás de Lula. É o seu papel. Quando se viu obrigado a explicar por que filtrou uma conversa privada entre a presidenta e Lula, disse que a 'chefe da República não tem privilégio absoluto no sigilo das suas comunicações', como demonstra 'o precedente da Suprema Corte norte-americana em EUA v. Nixon, em 1974, um exemplo a ser seguido'. "

"Esquece que, no caso de Watergate, quem gravou seus adversários não foi um juiz, mas o próprio presidente, que foi obrigado a renunciar. Não é um mal exemplo para um magistrado, especialmente se ele tiver ambições políticas" encerra o artigo.