Haroldo Lima: Perseverar na luta, para não ter golpe

Esse é o plano sinistro que está em curso. Elites retrógradas, que sempre saquearam os cofres públicos e o povo brasileiro, que nunca foram investigadas e nunca foram para a cadeia, querem voltar a governar, sem passar por eleição. Se conseguem, criariam uma situação de força na qual dificilmente governos democráticos e populares poderiam sobreviver neste subcontinente. 

Por Haroldo Lima*, especial para o Vermelho

manifestação dia 18 na paulista

Grave é a situação nacional. Depois de arregimentar forças no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal; depois de por a seu serviço a grande mídia brasileira, especializada em massificar deformações e mentiras; depois de mostrar na Câmara dos Deputados uma trupe reacionária que lhe representa, comandada por um Deputado-réu em processo de corrupção no Supremo Tribunal Federal; depois de enganar setores do centro e independentes na sórdida campanha apresentada hipocritamente como de combate à corrupção; e, finalmente, depois de mobilizar multidões com vastos recursos de origem desconhecida, a direita brasileira, a extrema-direita e grupos fascistas, juntos, passaram à ofensiva política e preparam um golpe.

O objetivo geral é claro: acabar com esse ciclo iniciado com os governos Lula e que busca um tipo de desenvolvimento no qual o povo mais simples suba na escala social. Esse esforço também tem ocorrido, com mais ou menos êxito, há mais de uma década, em outros países da América do Sul. E, precisamente por isso, o movimento golpista que visa derrubar o governo constitucional do Brasil, integra movimento mais amplo que visa atingir também governos progressistas em toda a América Latina.

Elites retrógradas, que sempre saquearam os cofres públicos e o povo brasileiro, que nunca foram investigadas e nunca foram para a cadeia, querem voltar a governar, sem passar por eleição. Se conseguem, criariam uma situação de força na qual dificilmente governos democráticos e populares poderiam sobreviver neste subcontinente.

Esse é o plano sinistro que está em curso. Uma maioria eventual, no Parlamento e no Judiciário, com a participação de setores do Executivo que formaram uma espécie de Governo paralelo, autônomo e independente, à margem do Governo brasileiro eleito pelo povo, levados ao delírio por uma gigantesca onda midiática que desconstrói líderes, partidos e valores, imporiam um impeachment forjado, dariam um golpe. Poriam na presidência Temer ou Cunha, cuja relação de compadrio foi definida por Ciro Gomes: "Temer é o homem do Cunha, e não o inverso", e Cunha é o homem que pode ser preso a qualquer instante, por corrupção.

A política no Brasil chegou a esse paradoxo: homens envolvidos em graves suspeitas de malversação de dinheiro público encabeçam um golpe para tirar do Governo uma pessoa contra a qual, depois de inúmeras investigações, não paira nenhuma suspeita.

Mas não é fácil derrotar uma causa justa. A resistência se alimenta de vontade, não de mentiras, os falsários são desmascarados, as mistificações desvendadas, as máscaras arrebatadas.

No atual momento da luta, o golpe se realimenta – por exemplo no Judiciário, mas crescem os sinais da resistência, por exemplo no Senado. E num rápido passar de olhos podemos ver:

1) As manifestações de sexta-feira, 18 de março (foto acima). Poucos imaginavam que depois de tanto massacre midiático e judicial contra Lula, Dilma e as forças progressistas, ainda fosse possível mobilizar tanta gente contra o golpe, em todos os estados do País e no Distrito Federal. Se as forças golpistas fizeram algumas mobilizações maiores, no domingo, dia 13, isto resulta da contra-propaganda avassaladora que há tempo a grande mídia massifica irresponsavelmente no País, contra o Governo e seus apoiadores.

2) A diferença sensível entre as duas mobilizações últimas realizadas, a pró-impeachment, do dia 13, e a contrária a ele, do dia 18. Nenhuma entidade nacional representativa de trabalhadores, ou de estudantes ou de intelectuais fez-se representar nas passeatas do dia 13. Em contraposição, as mais prestigiadas e tradicionais entidades nacionais, mormente as de trabalhadores, conhecidas pelas batalhas democráticas que já travaram nopassado, estiveram presentes nas jornadas de sexta-feira, 18 de março, a exemplo das CUT, CTB, CONTAG, UNE, UBES, CONAM, etc.

3) A posição equívoca da Ordem dos Advogados do Brasil e a rebelião de advogados. Já depois das duas manifestações referidas, a OAB, entidade de prestígio nacional pelas lutas democráticas que apoiou no passado, se pronunciou a favor do impeachment-golpe. Mas, incontinenti, advogados em todas as partes do Brasil começaram a se rebelar contra essa surpreendente posição da Ordem, vindo a público declarar que não a acatam. Grandes assembléias tem ocorrido em diversos locais.

4) A decidida posição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A CNBB, desde o período da ditadura militar, nunca faltou ao povo na defesa de seus direitos. Divulgou nota posicionando-se contra o impeachment-golpe. Um seu porta-voz, o bispo de Crateus, Dom Ailton Menegussi, disse à Nação: "nenhum bispo do Brasil concorda com a corrupção"; "as investigações devem ser feitas, as denúncias apuradas, e os culpados punidos"; "mas, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo quanto é partido"; "a corrupção não foi inventada de 15 anos para cá"; "agora é que está se permitindo que as coisas apareçam"; "tem muita gente aí, pousando de santinho, mas que nunca pensou em pobre". E enfático: "a CNBB não aceita que partido politico nenhum se aproveite desta crise para dar golpe no país". É a Igreja do Brasil nos tempos de Francisco.

5) A parcialidade do Juiz Sérgio Moro desperta a Nação. O Juiz Sérgio Moro passava a imagem de um magistrado independente, que se colocara à frente de um cruzada contra a corrupção. Grangeou apoio ao desvendar desmedido esquema corrupto que atuava dentro e fora da Petrobras e ao recuperar dinheiro desviado. Isto porque o povo é contra a corrupção e acha que os corruptos devem ser punidos. Lamentavelmente, entretanto, foi ficando claro que o Juiz só prendia gente de uma lado, do lado da Oposição não prendia. Informações sigilosas "vazavam" a toda hora, mas só vazavam de um lado. Usava métodos que se assemelhavam às torturas da época da ditadura, só que agora puramente psicológicas. O prisioneiro fica mofando, às vezes informado que seus familiares podem ser presos, a não ser que ele delatasse. Isto, apesar da lei fala que rege esse tipo de "coperação" especificar que ela deve ser "voluntária". Foi-se percebendo que o Juiz Sérgio tinha um objetivo político, o de prender o Lula e desestabilizar o governo constitucional da Dilma. E o Juiz foi ficando tão , encantado com os elogios que a Globo lhe fazia, que foi cometendo imprudências que permitiram a todos enxergarem quem era ele. Aceitou receber prêmio da Rede Globo, pousou para foto ao lado da turma dos Marinho da Globo e tocou a fazer palestras em ambiente de oposição política, como a Lide Paraná, coordenada pelo pré-candidato do PSDB à prefeitura paulistana, João Dória.

6) O Juiz contaminado pela política perde as condições de julgar. Progressivamente os brasileiros foram-se se dando conta de que algo estranho se passava com aquela República de Curitiba e que ela estava servindo a desígnios políticos, sob o pretexto de combate à corrupção. Na verdade, o que ele queria era prender o presidente que mais olhou pelos pobres do país. O mundo jurídico lembrou-se do que disse o político francês do século 19, Guizot: "Quando a política penetra no recinto dos tribunais a Justiça se retira pela porta dos fundos." E sobre os Tribunais pairou a advertência de Rui Barbosa: "O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde.”

7) A exacerbação do Juiz generaliza os protestos. E de repente Moro, que ia debutando na política dessa forma desengonçada, "pisou feio na bola", praticando gesto abertamente ilegal: quebrou o sigilo de escutas telefônicas que mandara fazer do ex-presidente Lula, quando este conversou com a presidenta da República. A sua atitude foi reprovada quase unanimemente pelos juristas. Enquanto a lei manda que "a gravação que não interessar à prova será inutilizada", Moro, colocando-se acima da lei, mandou divulgar conversas pessoais entre Lula e Dilma, que não esclareciam nada do que se estava investigando, com o único objetivo de insuflar a população. Surpreendentemente a Folha de São Paulo publicou correto editorial onde assevera: "Moro despiu-se da Toga". E outro artigo onde diz temer que "o sr. Moro tenha deixado sua função de juiz… para se tornar um mero incitador da derrubada de um governo." E completa: "Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal." (Vladimir Safatle). Os bem-intencionados, que ainda batiam palmas para o Moro, ficaram com suas mãos no ar. E o Juiz-politico terá que se explicar.

8) Episódios valorosos que iluminam o caminho da ação. Aconteceu em Belo Horizonte, no sábado, 19 de março, um dia depois das grandes manifestações anti-golpistas havidas em todo o país. O teatro Sesc Palladium apresentava um musical em torno das composições do Chico Buarque. No intervalo, o diretor Cláudio Botelho deitou falação insultando Lula e Dilma. Não teve outra. A platéia prorrompeu em gritos de "não vai ter golpe" e o espetáculo não pode prosseguir. Em seguida, o gesto irretocável: Chico Buarque proibiu o uso de suas composições naquela peça. Dois exemplos a serem seguidos: o da platéia que foi assistir a um musical e não a uma pregação golpista e se rebelou na hora; e o do Chico Buarque que não titubeou em retirar o prestígio de suas músicas das mãos de um diretor golpista.

9) A Frente Brasil Popular