Victor Henrique Grampa: IstoÉ machismo e violência
Eu não vou reproduzir a capa da Revista IstoÉ, uma capa agressiva e que atenta contra todas as mulheres. Mas pior do que a capa é o conteúdo do texto. Depois de me revoltar com a capa asquerosa, fui buscar o texto no site da dita "revista", daí sim, um texto que me enojou como ser humano!
Publicado 03/04/2016 14:10
Para além de um jornalismo da pior qualidade, sem fatos e fontes fidedignas, com referências genéricas, tais quais "assessores palacianos" ou nem isso, citam por verdade (entre aspas) o que teria dito a presidenta, como se fosse a mais cristalina gravação.
Isso tudo recheado com expressões de cunho valorativo (desvalorizante) em frases como "Mas não precisa ser psicanalista para perceber que, nas últimas semanas, a presidente desmantelou-se emocionalmente".
O texto tem como objetivo deslegitimar a presidenta, não por seus argumentos, o que são incapazes de fazer, mas por uma possível "loucura", que começa a ser construída na "revista" quando se diz "a presidente tem sido medicada com dois remédios ministrados a ela desde a eclosão do seu processo de afastamento: rivotril e olanzapina, este último usado para esquizofrenia, mas com efeito calmante. A medicação nem sempre apresenta eficácia, como é possível notar".
A coisa piora ainda mais, quando, no fim do texto, contam a "história" de "Maria, a Louca", buscando um paralelo entre a presidenta Dilma e a rainha D. Maria I de Portugal, dando para ambas contornos de ensandecidas e despóticas. E dizem sobre a rainha D. Maria I: "Quanto mais pressão, mais a sua consciência se obnubilava, até que finalmente foi 'impedida de qualquer ato na Corte'. Já com o filho Dom João VI no comando de Portugal, 'Maria I, a Louca' veio às pressas para o Rio de Janeiro com a Família Real diante da invasão de Portugal. Aqui, ela tinha por hábito usar longos vestidos pretos e passava horas correndo pelos corredores palacianos gritando palavrões desconexos. Costumava acordar na madrugada e 'berrava para seres imaginários descerem do Pão de Açúcar' porque nele 'morava o diabo'".
Quer dizer, além de buscarem deslegitimar a sanidade da presidenta da República, sem argumentos, buscam agredi-la na condição de mulher, assim como fizeram com a própria rainha Maria I, conhecida como "A Piedosa", com todo um governo importante, para além do advento da perda de sua sanidade posterior. A própria citação descontextualizada da história de "Maria, a Louca", que sequer vou comentar do ponto de vista histórico, busca associar a figura da mulher como incapacitada para as pressões do cargo de governante, terminando na "loucura" e na obrigatória sucessão por um varão. Com essa precária citação "histórica" da rainha, dão a letra da razão real pela qual escreveram essa matéria e produziram a capa: colocar as mulheres como "loucas", incapazes politicamente, e que devem voltar para "seus lugares" – gritando em corredores e exorcizando o Pão de Açúcar.
O pior machismo é o que que insculpem cuidadosamente com ares de algo não "machista", para, ao fim, inclusive, dizerem que as mulheres que veem machismo naqueles "textos sem machismo" e que são "loucas” e “esquizofrênicas", veem machismo e "seres imaginários descerem do Pão de Açúcar", retroalimentando o sistema machista e deslegitimando as críticas das mulheres, sem voz e invisibilizadas, tidas por histéricas a serem medicalizadas.
Uma vez que o impeachment não tem fundamento fático, sendo mero golpe, e que a renúncia da presidenta está descartada, querem agora fazer crer que ela é "louca em crise", passível de interdição – a saída desonrosa dos que, sem argumentos, desqualificam as pessoas e não os argumentos. Não aceitaremos o machismo e a opressão, onde quer que agrida centenas de milhões de mulheres cisgênero e transexuais. Respeitem as mulheres! Respeitem a dignidade e o mandato e da nossa Presidenta da República!
Victor Henrique Grampa é diretor de Direitos Humanos da União Nacional LGBT e membro da ADJC – Advogadas e Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania.