Como ficariam a Saúde e o SUS em um “pós-golpe"?
Quais as intenções e propostas do grupo que quer chegar ao poder, sem passar por uma eleição, tem para a saúde e o SUS? Documentos da Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, dão uma pista de que a ideia é enfrentar a crise às custas da saúde da população
Por Hêider A Pinto*
Publicado 07/04/2016 17:34
Esta postagem pretende analisar quais as intenções e propostas que o grupo que quer chegar ao poder, sem passar por uma eleição, tem para a saúde e o SUS. Para isso nos baseamos nos documentos emitidos pela Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, dentre eles o “Ponte para o Futuro”, e, complementarmente, entrevistas dadas por Moreira Franco e discursos e projetos de lei de lideranças desse grupo.
Prioridade zero é enfrentar a crise
Essa é entendida como a prioridade zero, mas seu enfrentamento no campo da politica econômica é todo de médio ou longo prazo. Então, como o documento Ponte para o Futuro pretende enfrentar o déficit público? Com a venda de ativos (privatizações), o Estado deixando de atuar como agente econômico (no petróleo, por exemplo) e redução do gasto público. Nesta postagem trataremos do último ponto, os outros dois em outra que ainda faremos como parte da série.
Menos recursos para a saúde
O Documento “Ponte para o Futuro” traz explicitamente algumas medidas com grande impacto na saúde: “acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação”; “estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB, através de lei”.
Lembremos o movimento de saúde produziu uma grande conquista ao povo brasileiro quando, depois de muita luta, conseguiu aprovar a Emenda Constitucional 29 em 2000, que garantiu que a cada ano os recursos da Saúde aumentassem conforme a variação do PIB e a inflação.
Mesmo assim, 16 anos depois, o Brasil tem um gasto público de 4,7% do PIB enquanto Uruguai tem 6,1% e países com sistemas universais, como o nosso, Canadá e Reino Unido, apresentam ambos 7,6%, e a França, 9%.
Em 2013, antes da desvalorização do real, o gasto público do Brasil per capita era de 525 dólares, o do Uruguai US$ 992, do Canadá US$3.985 e da França US$3.741.
Há menos de 10 dias, dada a situação de flagrante sub financiamento do SUS, a Câmara aprovou a EC 01 de 2015 que garante até 2023 a aplicação de 19,4% da receita corrente líquida, o que ampliaria os recursos federais para a saúde em aproximadamente 33%.
Portanto, vale dizer que essa vitória será em vão e não se concretizará porque, com a desvinculação do orçamento permanente (não temporária) e com o impedimento de aumentar acima da variação do PIB, vale dizer que o SUS que já está subfinanciado não sairá desta condição.
E o que acontecerá com o SUS?
O governo Collor vetou os artigos da Lei Orgânica da Saúde que tratavam do financiamento impedindo o SUS de nascer adequadamente. Os anos de FHC tampouco mudaram isso e o SUS seguiu subfinanciado. Caso o golpe se concretizasse, teríamos uma terceira fase de muita luta para o povo brasileiro em geral e para o movimento sanitário em especial: a “tempestade perfeita” para mudar o SUS que temos hoje.
SUS ainda mais subfinanciado; redução de recursos para os serviços existentes e redução de serviços; demanda maior que oferta e aumento do tempo de espera e filas e déficit de atendimento; insatisfação crescente com o sistema público.
Um ambiente no qual a população teme a crise e com alto grau de insatisfação com o SUS é o momento “ideal” de aprovar medidas previstas na Ponte para o Futuro como a “transferências de ativos que se fizerem necessárias, (…) parcerias para complementar a oferta de serviços públicos”. Moreira Franco, em entrevista, ressuscitou as políticas focalistas dos anos 90 argumentando que o Estado deveria se concentrar nos 20% mais pobres. Neste caso, a ponte seria para o passado.
O que aconteceria com 60% da população?
Mas se apenas 20% têm plano de saúde (e mesmo assim a maioria destes usa serviços do SUS) e o Estado focalizaria em outros 20%, o que restaria para 60% da população?
Temos duas pistas. Uma na Agenda Brasil proposta pelo PMDB do Senado na qual uma das propostas é “cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda. Considerar as faixas de renda do IRPF”. Medida que na crise de 2011 Portugal tomou e que teve resultados muito ruins em termos de saúde como pode ser contatado em vários estudos da área.
Outra pista está no Projeto de Emenda Constitucional 451/2014 de autoria de Eduardo Cunha (dirigente do impeachment e segundo na linha sucessória caso concretizado) que obriga as empresas a pagarem planos de saúde privados para todos os seus empregados por meio da inserção dessa alínea na Constituição: “plano de assistência à saúde, oferecido pelo empregador em decorrência de vínculo empregatício, na utilização dos serviços de assistência médica”.
Além da consequência óbvia do fim de uma saúde com equipes multiprofissionais e base e vínculo territorial integrando promoção, prevenção, recuperação e reabilitação, teríamos Plano de Saúde que hoje raros oferecem serviços de qualidade para 20% ampliados para mais de 50% da população que tem empregos formais e suas famílias.
Restaria ainda saber o que fazer com aqueles que não estão entre os 20% mais pobres e que não têm emprego formal, como muitos autônomos e empreendedores individuais…
Mas quem se importa? A proposta desse grupo, em primeiro lugar é enfrentar a crise,;em segundo, é reduzir os gastos do Estado; em terceiro, é focalizar a ação do Estado. Nem em quarto nem em quinto é garantir os Direitos Constitucionais ou ampliá-los. É por isso que tenho repetido: o maior papel do impeachment, que do modo como está sendo levado a cabo, é um golpe, é implantar outro projeto político no Brasil, sem passar pelo debate e crivo eleitoral, que enfrenta a crise colocando na conta da população que mais precisa do Estado que, no caso da saúde, corresponde a 80%. Enfrentar a crise, às custas da saúde da população.
*Médico e mestre em saúde pública