A jornalistas estrangeiros, Dilma denuncia golpe
Em entrevista coletiva a correspondentes estrangeiros no Palácio do Planalto, nesta terça-feira (19), a presidenta Dilma Rousseff afirmou que é vítima de um processo de impeachment baseado em uma “flagrante injustiça” e que o Brasil tem um “veio golpista adormecido”.
Publicado 19/04/2016 13:21
“É o golpe em que se usa de uma aparência de processo legal e democrático para perpetrar um crime que é a injustiça. Praticam comigo o jogo do ‘quanto pior, melhor’. Pior para o Brasil, melhor para a oposição. E praticam isso por meio de pautas-bomba. Também me sinto injustiçada por não me permitirem que governasse num clima de estabilidade política. Saio dessa questão dos atos com a consciência tranquila porque pratiquei atos que são praticados por todos os presidentes da República”, denunciou a presidenta.
Dilma reforçou que não é investigada em nenhum processo de corrupção. “Assisti ao longo da noite de anteontem todas as intervenções e não vi uma discussão sobre o crime de responsabilidade. Eu recebi 54 milhões de votos e me sinto indignada com a decisão que recepcionou a questão da admissibilidade do meu impeachment. Os atos pelos quais me acusam foram praticados por outros presidentes antes de mim e não se caracterizaram como ilegais ou criminosos”, afirmou Dilma.
Um jornalista da TV alemã ZDF disse que é claro o fato de a presidenta não ter nenhuma acusação de corrupção, mas que boa parte do seu desgaste político é provocado pelas investigações da Lava Jato. Ele questionou se a presidenta não tinha percepção de que havia corrupção.
“Ninguém é ingênuo e acredita que a corrupção surgiu agora. Ela foi descoberta, revelada e lançada à luz agora pelo meu governo e pelo governo do ex-presidente Lula porque toda a legislação que permite essas investigações foram feitas ou no meu governo ou no dele”, disse a presidenta, citando como exemplos a Lei da Transparência, que dá acesso a todas as transações do governo federal por meio da internet, e a Lei de Organizações Criminosas, que responsabiliza o corrupto e o corruptor e criou o instrumento da delação premiada.
“A autonomia da Polícia Federal e o respeito à independência do Ministério Público foi desenvolvida no meu governo porque antes o procurador-geral da República chamava engavetador-geral da República”, lembrou Dilma. E acrescentou: “Não acredito que a Lava Jato seja um raio em céu aberto. Antes estava tudo embaixo do tapete. Foi preciso a delação premiada, a independência dos procuradores e do Ministério Público e um conjunto de leis para que isso fosse descoberto”.
“Por que não sabe? Porque é próprio da corrupção ser feitas às escuras. Tem que ser investigada”, salientou. Dilma citou o Panamá papers como exemplo. “Quantas pessoas estão no Panamá papers e ninguém sabia? É a mesma coisa aqui. Precisa de investigação”, completou.
Não há crime
A presidenta apontou que os decretos de crédito suplementar não significam criação de despesa. “O que está em questão nesse processo são as minhas contas em 2015. Temos, infelizmente, uma perda de empregos que não tem esse montante, mas cerca de 2,4 milhões, o que é uma lástima. Atribuem a mim a crise dos países desenvolvidos, a queda de commodities e agora a perda de 10 milhões de empregos. Não foi bem assim”, afirmou.
Ela acrescentou: “O Brasil tem um veio que é adormecido, um veio golpista adormecido. Se nós acompanharmos a trajetória de presidentes no meu país, do regime presidencialista a partir de Getúlio Vargas, nós vamos ver que o impeachment sistematicamente se tornou um instrumento contra os presidentes eleitos”.
A presidenta destacou que a crise econômica não é motivo suficiente para se pedir o impeachment de um presidente da República. Para ela, as tentativas de desestabilizar seu mandato se basearam na estreita margem de votos que a elegeram nas eleições de 2014.
“Essa eleição perdida por essa margem tornou essa oposição derrotada bastante reativa a essa vitória e por isso começaram um processo de desestabilização. Esse meu mandato de 15 meses tem o signo da desestabilização política.”
A presidenta também relacionou as ações que foram tomadas contra a governabilidade, a começar pelo pedido “inusitado” de recontagem de votos, logo após a divulgação do resultado das eleições.
“No Brasil, desde a adoção das urnas eletrônicas, não há dúvidas por parte da sociedade da fidedignidade dos resultados eleitorais, o que torna muito claro os objetivos por trás disso. Na sequência, também foi pedido pela oposição que se fizessem auditorias nas urnas. Como em nenhum dos dois casos foi encontrada uma falha sequer, recorreu-se ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), antes da posse para o segundo mandato, para tentar impedir a diplomação da presidenta”, lembrou.
Como nenhuma destas ações surtiu efeito, deu-se início a “práticas absolutamente condenáveis”, destacou Dilma, que ganharam força com a atual presidência da Câmara dos Deputados: as chamadas pautas-bomba. Os opositores passaram a agir para impedir a redução de gastos necessária ao atingimento da meta fiscal.
Mulher
Uma jornalista do Canadá lembrou que durante a votação na Câmara viu muitos cartazes com a frase: “Tchau, querida”. Ela questionou se a presidenta sente algum grau de preconceito por ser mulher e ocupar o cargo de presidenta da República. “Houve, inclusive, recentemente um lamentável episódio de um texto de um órgão de imprensa que mostra uma misoginia. Falam o seguinte, mulher sob tensão tem que ficar histérica, nervosa e desequilibrada. E não se conformam que eu não fique, nem nervosa, nem histérica, nem desequilibrada. Aí tem uma outra ala que diz que não é bem isso, porque eu não estou percebendo o tamanho da crise. Eu até não gosto de falar porque eu tenho uma familiar e acho a forma que tratam essa questão muito desrespeitosa: falam que eu sou autista. Um preconceito tão grande quanto o de gênero. […] Agora, eu lamento profundamente o grau de preconceito contra a mulher, de que mulher tem que ser frágil. Ora, as mulheres brasileiras não tem nada de frágeis, elas criam filhos e lutam”, disse.
“Ontem me perguntaram se era melhor lutar na democracia ou na ditadura, eu digo: é incomparável, mas além disso, se aguentei na ditadura, a tortura em tempos muito sombrios, eu prefiro essa situação. Acho que há uma força imensa na democracia. Lamento profundamente o grau de preconceito contra a mulher. As mulheres não têm nada de frágeis”, salientou a presidenta. E concluiu: “Tem misturado nisso tudo um grau de preconceito contra a mulher. Têm atitudes comigo que não teriam com um presidente homem”.
Temer
Dilma Rousseff voltou a criticar a postura conspiratória do vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP). “É muito pouco usual que haja assim um vice-presidente da República. Acho que a conspiração se dá pelo fato de que a única forma de chegarem ao poder no Brasil é utilizando métodos, transformando e ocultando o fato de que esse processo de impeachment não é um processo de impeachment. É uma tentativa de eleição indireta de um grupo que, de outra forma, não teria acesso [ao poder] pelos únicos meios justificáveis num país que tem uma democracia tão duramente conquistada, que é o voto direto e secreto”, afirmou.
Bolsonaro
Indagada pelos jornalistas, Dilma, que foi presa e torturada pelo regime militar, afirmou que considerou “lamentável” o voto do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) na sessão da Câmara, que o dedicou ao ex-comandante do DOI-Codi em São Paulo, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
“Eu de fato fui presa nos anos 70. De fato, eu conheci bem esse senhor ao que ele se referiu. Foi um dos maiores torturadores do Brasil, contra ele recai não só a acusação de tortura, mas também de mortes. É só ler os documentos da Comissão da Verdade. Lastimo que, nesse momento no Brasil, tenha dado espaço para esse tipo de situação de raiva, de ódio, de perseguição. E, veja você, em um processo como o nosso em que a democracia resulta de uma grande luta. É terrível você ver no julgamento alguém defendendo esse torturador. É lamentável”, declarou.