Angelina Anjos: Qual o problema em ser bela, recatada e do lar?

Como um tiro na cabeça e um mal estar sem medidas, de um jornalismo sarcástico e violador de direitos – a revista Veja esta semana dedicou algumas páginas para uma abordagem a respeito do estilo de vida caseiro e discreto da esposa do vice-presidente do Brasil, Michel Temer, intitulado “Bela, recatada e do lar” – Marcela Temer é o protótipo a ser seguido e admirado, afinal, qual o problema em conter tantos adjetivos do século passado?

* Por Angelina Anjos

Marcela Temer - Reprodução

Mas o lugar de mulher não é onde ela quiser? Sim, ninguém está contestando isso. Entenda!

Não existe nada que impeça uma mulher se dedicar no desenvolvimento de sua cria e viva a sua maternidade integralmente, desde que isso fosse um direito de todas nós mulheres, mas também é verdade que se eu não posso – a Marcela Temer não tem culpa. Será? Pode até não ter culpa diretamente, mas, indiretamente através da classe social que representa está envolvida até a alma.

A reportagem não criou polêmica, na realidade exala constrangimentos, inclusive para a entrevistada – deu tiro no pé – o país assiste hoje a um notável crescimento profissional da mulher brasileira, seja por meio do próprio negócio ou de uma atividade com carteira assinada. As políticas públicas para a geração de novos postos formais de trabalho, aliadas a ações de inclusão social e investimentos na educação, ajudaram a reposicionar a mulher no mercado, mudando seu papel familiar. O aumento da participação feminina na economia nacional vem corrigindo distorções históricas como as desigualdades salariais entre os gêneros.

Segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em mais de 42% destes lares, a mulher vive com os filhos, sem marido ou companheiro. Neste cenário de dificuldades e desafios, elas conquistaram muito, mas é preciso avançar mais.

O relatório do Sebrae também aponta para a capacidade de inovação da mulher. O documento sustenta que 34% das mulheres que têm empresa trabalham em casa, número cinco vezes maior do que os empreendedores do sexo masculino, que ronda a casa dos 6%.

Portanto, não há nenhum problema em ser “bela, recatada e do lar”, cada um escolhe seu caminho, por diferentes motivos, entretanto, a abordagem foi ultraje, negligenciando a realidade da mulher brasileira.

Dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estátistica), de 2010, revelam que cerca de 40,9% das mulheres contribuem para a renda das famílias do País. No campo, o índice chega a 42,4%, 51% dos quais no Nordeste. Indicadores que refletem a inclusão produtiva promovida pelo governo federal.

Ao galope do golpe orquestrado pela mídia golpista, a revista IstoÉ publicou a imagem da presidenta Dilma enquanto comemorava um gol da seleção brasileira, no país que eles diziam que não teria Copa, mas teve, e tendenciosamente publicou a foto com a matéria intitulada – As explosões nervosas da presidente – a Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o Ministério da Justiça para que determinasse a abertura de inquérito a fim de apurar crime de ofensa contra a honra da presidenta Dilma Rousseff cometido pela IstoÉ – a revista disse que a presidenta “está fora de si” e com “problemas emocionais”.

Apesar de ser um crime e grave violação de direitos humanos, a violência contra as mulheres segue vitimando milhares de brasileiras reiteradamente: 38,72% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 33,86%, a agressão é semanal. Esses dados foram divulgados no Balanço dos atendimentos realizados de janeiro a outubro de 2015 pela Central de Atendimento à Mulher.

Nos dez primeiros meses de 2015, do total de 63.090 denúncias de violência contra a mulher, 31.432 corresponderam a denúncias de violência física (49,82%), 19.182 de violência psicológica (30,40%), 4.627 de violência moral (7,33%), 1.382 de violência patrimonial (2,19%), 3.064 de violência sexual (4,86%), 3.071 de cárcere privado (1,76%) e 332 envolvendo tráfico (0,53%).Os atendimentos registrados pelo Ligue 180 revelaram que 77,83% das vítimas possuem filhos (as) e que 80,42% desses (as) filhos(as) presenciaram ou sofreram a violência.

Dos atendimentos registrados em 2014, 77,83% das vítimas tinham filhos, sendo que 80,42% presenciaram ou sofreram a violência juntamente com as mães.

Portanto, a mídia golpista e o jornalismo das revistas prestam um desserviço para as mulheres do Brasil, quando violenta os direitos das mulheres – considera as que lutam como “loucas”, “desequilibradas” e "perigosas" – realiza o tribunal da santa inquisição quando pune as mulheres que tem participação política, qualificando-as de “desequilibradas emocionais” em detrimento da figura de mulher que por alguma razão resolveu ser “do lar”, não existe nenhum problema com a Marcela Temer. Quem criou o constrangimento para a “Bela, recatada e do lar” foi a mídia.

Que pague muito caro por isso.