O jornalismo venceu o "jornalismo"

O golpe em andamento no Brasil foi articulado e implementado pelos conglomerados de mídia e entidades patronais associados inicialmente ao PSDB, acolhido pelo judiciário e ministério público, e viabilizado pelo parlamento com uma mãozinha do TCU e da Polícia Federal. De maneira que o jornalismo, ou melhor dizendo, a sua negação, assume um protagonismo indiscutível no movimento autoritário em curso.

Por Celso Schröder*

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Foi através do mantra "apesar da crise", repetido durante dois anos inteiros da manhã à noite nos veículos de todo o país, comandados pela Globo, que a economia retraída começou a soçobrar realmente e assumir a dimensão atual. Foi o "jornalismo" que desenterrou a bandeira do combate à corrupção e, num verdadeiro malabarismo, atribuiu este combate a políticos que figuram entre os denunciados como os mais corruptos do país.

É o "jornalismo" que esconde as acusações contra Augusto Nardes, o "ministro" do TCU que acusa Dilma e, pela primeira vez na história republicana, refeitas as contas, está envolvido na Operação Zelotes junto com a própria mídia. É o "jornalismo" que poupa e dá sobrevida à Eduardo Cunha, presidente de Câmara que é réu em processo que está estagnado no STF.

Também num esforço de produzir "heróis", foi o "jornalismo" que elegeu Gilmar Mendes como um paladino do STF, espécie de tribunal inquestionável. Foi o jornalismo que atribuiu virtudes a um policial japonês condenado na PF e ares de salvador da Pátria a um promotor público do Paraná. Ou seja, ao invés de contribuir para a construção de opinião pública democrática, o jornalismo brasileiro, negando sua função histórica, privatiza a esfera pública brasileira e partidariza a opinião pública.

O paradoxo é que este golpe midiático/parlamentar/jurídico produz, numa rapidez também inimaginável e inédita, a sua negação e provavelmente a sua destruição. A radicalização do paradoxo é que o principal inimigo deste "jornalismo" golpista brasileiro é o próprio jornalismo. Um jornalismo improvável originário dos países onde seguramente estão os interesses internacionais que patrocinam e teleguiam o golpe tupiniquim.

A reação ao golpe inicia quando a Globo modifica sua programação dominical, arranja a transferência de horário de jogos de futebol e prepara o Brasil para o massacre da votação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados. Neste momento os deuses da democracia começam a tramar a reação. O Brasil e o mundo assistem estupefatos a uma tarde e noite onde o golpe, com todo o seu horror, se desnuda em cadeia nacional. A traição, a mentira, a mediocridade, o ódio, a intolerância em todas as suas matizes se apresentam com orgulho, arrogância e clareza. O tiro no pé havia sido dado.

O jornalismo se realizou à revelia das empresas de "jornalismo" e até de alguns jornalistas. E este jornalismo verdadeiro, ou seja, a verdade, se apresentou desnuda, contaminou e constrangeu o jornalismo internacional. Os principais jornais do mundo recuam em suas leituras da realidade brasileira e seus correspondentes passam a contar a verdade, ou seja, a realizarem o jornalismo. Isto impacta a opinião pública internacional e, por sua vez, seus governos e partidos.

o "Jornalismo da meia noite" tentou cercear a liberdade de expressão da presidenta da República. Apressou-se em condenar, através da manifestação precipitada, ameaçadora e pré-julgadora de três ministros do STF, o discurso que Dilma Rousseff "faria", na manhã de sexta-feira 22/04, na reunião da ONU, em Nova York, na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris, sobre a redução de emissão dióxido de carbono a partir de 2020. Na ONU, a presidenta centrou seu discurso na contribuição brasileira para combater os efeitos das mudanças climáticas. As liberdades de expressão e de imprensa, contudo, venceram o "jornalismo" e, em coletiva à imprensa brasileira e internacional, a presidenta falou do que era inevitável falar: do golpe.

O golpe brasileiro começa a ser desmascarado. A sociedade brasileira – em especial os jovens – aproveita esta brecha internacional e radicaliza sua inconformidade com a ruptura institucional e os retrocessos já previstos, e em alguns casos já anunciados. E os golpistas, entidades patronais, partidos e figuras públicas começam rapidamente a perder a legitimidade precariamente construída.

O jornalismo derrotou o "jornalismo"! O golpe ainda pode acontecer, mas será um golpe desmascarado, frágil e certamente insustentável. Um golpe contra a opinião pública e a democracia é um golpe fadado à derrota.

* Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e da Federação dos Jornalistas da América Latina e do Caribe (FEPALC), e Vice-presidente da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ).