José Machado: Brasil, meu Brasil brasileiro
José Machado, artista plástico e crítico de arte português, enviou ao portal Vermelho um texto em que revela seu desapontamento diante da situação em que vive o Brasil desde a sessão da Câmara dos Deputados que autorizou a abertura de processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff.
Por José Machado*
Publicado 11/05/2016 20:57
Já se passaram algumas semanas depois da votação para a destituição da Dilma e eu ainda não me recompus. Não sei se algum dia o conseguirei.
O Brasil era daqueles lugares míticos que eu tinha na imaginação. Meu avô partiu para lá, aos dezessete anos, com o sonho da borracha. Meu bisavô viu um filho fugir clandestino para o Rio de Janeiro com o sonho do teatro. Lá se perdeu. Já lá tinha um tio que se notabilizou nesse tipo de espetáculo, o famosíssimo João Augusto Brandão, natural da Lomba da Maia. Agora tenho lá um filho a lutar pela vida. Portanto, desde criança, o Brasil foi para mim uma fonte de mistério e inquietação.
Aquelas florestas que o Ferreira de Castro descreveu, as músicas que eu cantava, as fotografias que eu via, tudo isso ajudou a que eu tivesse desse enorme país uma imagem surreal. E os livros de Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e tantos outros, as músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ellis Regina, Maria Betânia e sei lá quantos mais, os poemas de Manuel Bandeira, Vinicius de Morais, Cecília Meireles, amiga do coração de Cortes Rodrigues, o cinema como O Pagador de Promessas, O Cangaceiro, e tantos outros, fizeram-me ter do Brasil uma imagem de pujança cultural.
E, de súbito, ligo a televisão e dou de caras com um Brasil que nega tudo isso. Um Brasil retrógado, estúpido, ridículo, faccioso, cheio de ódio e, principalmente, de uma assustadora falta de cultura. Como é possível que aquelas pessoas sejam os representantes do povo brasileiro? Não quero acreditar e, no entanto, eles ali estavam a desfilar uma série de baboseiras sem pés nem cabeça. Uma triste exibição de ódio onde não encontrei um mínimo de racionalidade.
Já vi de tudo em parlamentos por esse mundo fora, principalmente cenas de pugilato entre os parlamentares, mas a cena brasileira ultrapassa tudo o que eu pudesse imaginar. Aquela trupe de gente sem qualificação quase submergia o meu Brasil.
Mas tenho de me recompor. O país de Vila Lobos e de Niemeyer há de superar esta maldita crise e voltar a ser o meu Brasil brasileiro.
*José Machado é escultor, pintor e crítico de arte, nasceu nos Açores, em Portugal, na cidade de Oeiras.