Publicado 13/05/2016 12:54

Mas este é um momento não de júbilo e sim de constrangimento. Pela vergonhosa farsa em que um dos piores, se não o pior, grupo de parlamentares já reunido no País “inventou um crime para acabar com um governo”, como escreveu o professor Lizt Vieira, da PUC-Rio em artigo publicado ontem no jornal O Globo.
Escrevo diante da foto do “novo” ministério, na qual não se vê, dos pontos de vista de gênero e etnicidade, ninguém que evoque, por exemplo, a simbólica imagem da Princesa Isabel nem as reais, efetivas e consequentes figuras de André Rebouças, Ferreira de Menezes ou Luiz Gama.
Triste Treze de Maio! Em que os muares (ou hienas?) vão empurrando a carroça de novo para trás, na direção do abismo.
Resta, entretanto, o consolo de, aos 74 anos recém completados, estar entregando à publicação, neste exato momento, mais um livro, o “Dicionário da História da África (séculos VII a XVI)”, concluído, depois de alguns anos, com a inestimável parceria do professor José Rivair Macedo, da UFRGS.
O dicionário tem por objetivo dar sequência ao trabalho iniciado.com a publicação, pela Editora Civilização Brasileira, do Dicionário da Antiguidade Africana, em 2011, inclusive com revisão e reinterpretação de alguns conteúdos. Focalizando, agora, momentos fundamentais da História Africana ocorridos no período imediatamente posterior, a obra cobre o período que vai da conquista árabe-islâmica do norte do continente, iniciada em 639 d.C. até a chegada dos primeiros exploradores europeus, no século XV e a queda do Império Songai ante o Marrocos, no século seguinte.
No corpus do dicionário procuramos estabelecer relações de causa e efeito entre fenômenos e eventos como: as formas de organização social herdadas de tradições imemoriais; o surgimento de unidades políticas criadas e expandidas por lideranças locais; o expansionismo dessas unidades fazendo surgir Estados e Impérios; o embate entre as ideias e interesses do Islã, do Cristianismo e da Religião Tradicional; as disputas pelo controle das fontes de riquezas e as rotas de comércio, principalmente as que ligavam o continente ao Mar Mediterrâneo e ao Oceano Índico.
Procuramos também demonstrar como a transmigração de riquezas africanas tanto pelo Saara e o Mediterrâneo quanto pelo Oceano Índico, inclusive de força de trabalho, proporcionaram crescimento econômico e político a muitas cidades e Estados, tanto na Europa quanto no Oriente. E como, para a Europa, as riquezas subtraídas à África nesse período prepararam a desestruturação do continente, pelo escravismo, nos séculos seguintes até a partilha da África pelas potências europeias no século XIX.
Por outro lado, o dicionário procura mostrar também a formação de Estados, confederações e mesmo impérios no continente africano, comprovando o papel dos africanos como sujeitos ativos de sua História, atuando a partir do domínio dos saberes e técnicas de sua tradição, inclusive do ponto de vista filosófico e religioso.
Acreditamos, com este trabalho, estar dando mais um passo no sentido de colocar a História dos africanos, negros ou não, em sua dimensão real e verdadeira – como preconizou o filósofo congolês Théophile Obenga; e reafirmando a importância de se registrar a História de africanos e afro-americanos, a partir de pontos de vista de estudiosos afrodescendentes e além da incomoda e nociva perspectiva do escravismo.
Enfim, estamos fazendo a nossa parte. Pela autoestima de nossos jovens; pela sua organização na direção das instâncias de poder; pelo seu esclarecimento diante de dogmas inaceitáveis e falácias como a demonização mercadológica de nossas tradições ancestrais. Tradições essas que até mesmo o islamismo (hoje imediatamente associado à radicalização), em seus primeiros momentos, segundo nossa interpretação, soube compreender e aproveitar.
Pena que neste Treze de Maio, o país tenha dado mais um lamentável passo atrás. Mas nós vamos caminhando, pra frente.