Sicsú: Crescimento, se houver, não virá com distribuição de renda
Na avaliação do economista e professor da UFRJ, João Sicsú, a gestão de Michel Temer aplicará um novo modelo econômico e social, cujos componentes são “arrocho salarial, redução do Estado e de sua eficiência e sequestro do Orçamento e de direitos sociais e trabalhistas”. Cético em relação à aposta de Temer na recuperação via setor privado, ele alerta que, mesmo que o país volte a crescer, isso acontecerá sem distribuir renda e riqueza – como na ditadura de 1964, comparou.
Por Joana Rozowykwiat
Publicado 15/05/2016 22:43
“Sabemos o que esse grupo que tomou o governo pela via do golpe pensa. É um modelo de grande retrocesso para a sociedade, especialmente para os trabalhadores e para a juventude”, disse, em entrevista ao Portal Vermelho.
De acordo com Sicsú, o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, pauta seu trabalho pela ideia de que “quanto menos governo, melhor”. Para ele, contudo, trata-se de uma visão “antiga e malsucedida”. Segundo o professor, Meirelles prega “um Estado fraco e ineficiente, com grandes empresas e bancos dominando a economia (…) Ele tem uma visão em que o mercado é a instituição mais importante. Mais importante que o governo, mais importante que a própria sociedade”, criticou.
O professor defendeu que economias fortes são aquelas que têm ao seu lado também um Estado fortalecido. “Não devemos ter nenhuma vergonha de dizer que queremos ter um Estado forte, porque um Estado forte tem uma sociedade com direitos e uma economia mais dinâmica. É um tripé de avanço”, opinou.
De acordo com ele, duas medidas anunciadas neste início de governo Temer são indicações de que o Estado “vai definhar” e se tornar ineficiente. “Dois exemplos básicos: vão cortar 4 mil cargos comissionados, que são então 4 mil pessoas desempregadas. E vão tirar o caráter de independência da Controladoria Geral da União”, citou.
Temer, na verdade, extinguiu a CGU, instância de governo responsável por combater a corrupção no funcionalismo público. Em seu lugar, criou o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Vários especialistas têm alertado para o risco de a mudança enfraquecer a independência do órgão no combate à corrupção e significar a perda do poder de auditar instituições do governo federal.
Arrocho salarial
Para Sicsú, a dupla Temer-Meirelles atuará no sentido de desvalorizar o salário mínimo, base de toda a política salarial para a população de baixa renda. “Os rendimentos dos trabalhadores com até três salários mínimos são muito importantes para economia a brasileira, do ponto de vista social. Mais de 92 % dos trabalhadores brasileiros ganham até três salários mínimos. Então desvalorizar o mínimo é o mesmo que promover arrocho salarial generalizado”, condenou.
O economista afirmou que se trata de “uma cópia” do que foi feito no modelo econômico da ditadura. “É uma novidade antiga que esse modelo Temer-Meirelles quer trazer para a economia: arrocho salarial e fim de direitos trabalhistas, para reduzir custos empresariais e sequestrar o Orçamento, transferindo renda para grandes empresas e bancos”, disse.
Crescer o bolo, sem dividí-lo
Sicsú apontou ainda outra semelhança com as diretrizes aplicadas durante a ditadura. Para ele o projeto de crescimento econômico do atual governo, que se apoia na iniciativa privada, mesmo que seja bem-sucedido, não deve ajudar a combater as desigualdades do país – da mesma forma que ocorreu nos anos de chumbo.
O professor resgatou que, na ditadura, o crescimento veio acompanhado de concentração de renda e riqueza. “É isso que pretendem. Acho difícil conseguirem fazer economia crescer. Acho mais fácil conseguirem que haja novo período de concentração de renda e riqueza”, afirmou.
Nos primeiros pronunciamentos de Temer e Meirelles, na semana passada, ambos definiram como prioridades as reformas trabalhista e previdenciária. Para Sicsú, a principal ofensiva será para flexibilizar a CLT, o que pode ocorrer caso o Congresso aprove projeto que coloca acordos trabalhistas acima da legislação vigente.
“Se aprovada essa legislação nova, vamos ter custos trabalhistas e direitos trabalhistas reduzidos na mesma proporção. É essa ideia de que empresário tem que ter custo baixo. Grande empresas e bancos terão vida muito mais fácial daqui para frente”, lamentou, em relação às prioridades do governo atual.
Previdência na berlinda
Para Sicsú, a incorporação da Previdência ao Ministério da Fazenda, levada a cabo na reforma administrativa de Temer, é um símbolo muito negativo. “Significa que o Orçamento da Previdência será visto apenas pela ótica contábil e poderá ser sequestrado para outras finalidades que não sejam a Previdência Social”, lamentou.
O professor defendeu que a Previdência está muito mais relacionada à área social que à Fazenda e classificou a junção como um “grande retrocesso”. Sicsú criticou ainda a “velha discussão” sobre se a Previdência deve ser financiada apenas por aqueles que serão beneficiários ou por toda a população.
“Previdência social de um país, para ser eficiente como instrumento de estabilização e organização social, tem que ser financiada por toda a sociedade e oferecer benefícios a todos, e não ser uma caixa contábil entre quem paga e quem recebe. Isso aí é para os fundos de pensão privados”, opinou.
Na sexta-feira (13), o novo ministro da Fazenda disse que a reforma da previdência deve ser feita preservando direitos adquiridos, mas reconheceu que, para ele, o conceito de direito adquirido “é impreciso”. Ele também defendeu que se estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria. A proposta é criticada pelas centrais sindicais, inclusive, a Força Sindical, do deputado federal Paulinho da Força (SD-SP), um aliado de Temer no processo de impeachment.
A junção da Previdência com a Fazenda ocorreu no bojo da reforma que reduziu número de ministérios de 32 para 25. Analistas e a mídia especializada, contudo, têm informado que a mudança não deverá gerar economia para os cofres públicos e servem mais para apontar como a nova gestão enxerga as áreas do governo. “A rigor, o dinheiro poupado com as medidas não irá além do salário das autoridades”, diz matéria da Folha de S.Paulo.
Crescimento incerto
De acordo com Sicsú, a política econômica anunciada até então vai na contramão daquilo que seria mais indicado para fazer o país voltar a crescer. “A economia precisa agora de um Estado presente, de política econômicas bem potentes, investimento público, distribuição de renda, geração de emprego. E a economia brasileira não vai ter isso”, colocou.
Segundo ele, ao que tudo indica, o investimento público e as políticas sociais serão reduzidos. A própria mídia já anunciou que Temer estuda que o Bolsa Família tenha foco apenas nos 5% mais pobres do país, o que significará diminuir o número de beneficiários do programa.
“Isso prejudica muito a economia, porque dinheiro do Bolsa Família, da Previdência Social é dinheiro que vai para a economia, que dinamiza a economia. Esse governo não tem nenhuma intenção de fazer políticas econônomicas via Banco do Brasil, Caixa Econômica, não vai realizar investimentos. A economia vai ficar patinando. E os salários, que são importantes para a economia, tendem a ser reduzidos”, criticou.
Setor privado medíocre
Crítico e descrente, então, da ideia encampada por Meirelles de que a atividade econômica será recuperada a partir do investimento privado, Sicsú avalia que, em um momento de crise, nada garante que empresários terão ânimo de investir e fazer crescer a economia.
“O modelo [que será adotado] é de esperar a recuperação estimulada pelo setor privado, mas o setor privado brasileiro é muito medíocre, jamais vai colocar o seu dinheiro, antes de o governo ter colocado o seu. Não acredito em recuperação. Mas desculpas não faltarão nos próximos meses e anos, para dizer que é tudo responsabilidade do PT e de seus aliados”, previu.
Segundo ele, o setor privado investe sempre em busca de lucro e a simples mudança de governo não dará confiança aos empresários. “Não existe confiança em político, nem declaração mágica. Sempre facilita, claro, ter uma liderança, um estadista. Uma coisa é ter um Lula como presidente. Outra é ter Michel Temer. Já começa o governo fracassado. Mas isso poderia ser amenizado, se o governo tivesse políticas econômicas potentes”, opinou.
Se o governo não investir, o setor privado certamente também não irá, defendeu. “Eles vão em busca do lucro. E a economia está paralisada. Quem é que vai realizar investimentos agora? Ninguém. Quem vai realizar investimentos porque o Temer deu um golpe ou porque não deu? A economia é movida pelo lucro e no momento não existe expectativa de lucro”, resumiu.
Se a possibilidade de crescimento é incerta, Sicsú não tem dúvidas, no entanto, a respeito de quem seriam os beneficiários de uma eventual recuperação. “Se vão realizar investimento ou não, se vão fazer a economia crescer ou não isso não é garantido. Mas, se crescer, a ideia é crescer para acumular mais riqueza para o andar de cima, e não para distribuir riqueza. Crescimento, a partir de agora, é algo que não beneficiará mais a maioria da população. Se acontecer, vai ser para beneficiar mais ainda grandes empresários e banqueiros”, encerrou.