Estupro coletivo: Lágrimas nos olhos e a bile na minha garganta 

Hoje eu não consegui dormir.
Não foi insônia, ou vontade de ver filmes/séries a madrugada inteira. Não foram assuntos aleatórios com os amigos por horas e horas.
"Então o que foi?"
Medo.

Por Iara Carvalho Szegeri*

estupro coletivo - Reprodução Redes Sociais

Depois de ler tanta coisa sobre o estupro daquela menina, eu fiquei revoltada. Eu fiquei angustiada, triste, com raiva e com medo. Eu fiquei enojada, eu fiquei com ódio, eu fiquei com lágrimas acumuladas nos olhos e com a bile na minha garganta ameaçando sair.

Eu lembrei de receber a notícia: "Trinta contra uma", "Estupro coletivo". Eu li coisas horríveis, inacreditáveis, desumanas. "Ah, mas com essas roupas…", "Indo pra um lugar desses, esperava encontrar o que?", "Se estivesse em casa com a família, isso não teria acontecido", "Merecia sim", "Tava pedindo"… Chega, chega, chega!! Para com isso por favor!!

A culpa não foi dela!!

Depois de ler isso de pessoas que eu não conhecia, ainda tive que ler de pessoas que eu conhecia. As famosas piadinhas machistas do cotidiano que todo mundo acha que não tem problema. Que não tem maldade. Mas na verdade, essa piadinha tá contribuindo pro estupro de uma mina. Essa piadinha tá contribuindo pra opressão de uma mina. Essa piadinha tá mexendo numa ferida, tá abrindo uma cicatriz, fazendo um corte profundo. Essa piadinha tá fazendo uma menina chorar de medo.

Foi com ela, que estava de roupa curta, num baile funk e drogada. Mas foi também com a menina que estava no banheiro da igreja. Foi também com a menina que estava na faculdade.

Amanhã pode ser com qualquer outra. Qualquer uma que esteja em casa, na facul, no trabalho, na festa ou na igreja. Qualquer uma que esteja de shorts, vestido, calça ou burca. Qualquer uma que esteja sóbria, bebada, alegre ou drogada.

E a repercussão vai ser qual?

"Quem mandou usar essas roupas?", "Quem mandou sair a essa hora?", "Quem mandou beber?", "Quem mandou sair de casa?", "Quem mandou ser mulher?".

A sociedade cada vez mais destrói o nosso direito de liberdade. E nisso, nosso medo aumenta cada vez mais.

Medo de andar sozinha na rua. Medo de usar roupa curta. Medo de entrar sozinha num táxi. Medo de sair a noite, de dia. Medo de ficar sozinha em casa…

E mesmo com tanta luta tanto interna quanto externa, ainda temos que escutar que somos todas loucas, histéricas, mal comidas, chatas ou putas… Mas aí generaliza os homens pra ver se não vai ter um monte vindo reclamar porque se sentiu ofendido. Esse mesmo monte que não faz merda nenhuma diante do machismo que nos cerca durante o dia inteiro, o tempo todo!

Então me diga meu caro amigo, se você não faz absolutamente nada em meio a uma situação onde uma mulher é diminuída bem na sua frente, como você espera que acreditemos que diante de um estupro, por exemplo, você vá se manifestar? Como você espera que nós nos sintamos seguras perto de você, homem?

Então sim, eu tenho medo.

E não, eu não consigo dormir.

Meia noite.

Uma da manhã.

Duas da manhã.

Três da manhã.

Quatro.

Cinco.

Seis.

Não, não consigo.

Porque uma mulher foi estuprada por trinta homens.

E todas nós somos estupradas todos os dias pela sociedade.

*Iara Carvalho Szegeri tem quinze anos. É estudante na cidade de São Paulo. Desde 2015 se declara feminista.