Modelo econômico afeta qualidade da educação e o desenvolvimento

“É mentira que nós nos integraremos à estrutura mundial por meio dos serviços. Por trás dos serviços tem a indústria, que domina a produção de tecnologia. A concentração se dá por quem domina a tecnologia e nós precisamos dominá-la”, afirmou hoje (22) o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio.
 
Por Helder Lima

Clemente e Bebel

Ao participar do seminário “Trabalho e educação no desenvolvimento da cidade de São Paulo”, promovido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo, Clemente criticou os economistas que acreditam que o país vai adquirir maior protagonismo no cenário mundial por meio do setor de serviços. “A atividade econômica tem a dimensão da produção em vários campos, mas o campo que estrutura a economia é a atividade industrial. Se não tivermos uma estrutura industrial robusta e moderna, o desenvolvimento não acontece”.

O diretor do Dieese citou o caso dos smartphones, que agregam tecnologia e serviços, mas destacou também que a tecnologia concentra o maior valor agregado em seu cadeia de produção e por isso seu papel é estratégico. Ele destacou ainda o exemplo do café como produto agrícola e matéria-prima e como café solúvel, este com a transformação do processo industrial. “Se queremos ser uma sociedade desenvolvida, temos de produzir o café solúvel”, afirmou, para ilustrar a ideia de valor agregado, que é essencial à produção de riqueza hoje no mundo. “Quando nos dizem que não precisamos de desenvolvimento industrial estão dizendo que vamos continuar somente plantando o café”, disse.

Clemente falou também sobre como as atividades produtivas são organizadas pelas empresas e pelo Estado para viabilizar as condições da vida em sociedade e que, por conta disso, o trabalho se reproduz em milhares de atividades diferentes. Para ele, o direito ao trabalho é elementar na vida social e é papel do Estado atuar nas relações trabalhistas para regular os direitos e evitar a exploração dos trabalhadores.

Ao analisar os desafios que a economia do país tem para o futuro, Clemente destacou a necessidade de ter claro que a indústria é fundamental em qualquer estratégia a ser adotada. Outro desafio, segundo ele, é a integração entre os setores industriais, agrícolas e de serviços. “Nós exigiremos maior qualidade (de bens e serviços), conforme a nossa renda crescer”, afirmou. “Trabalhar essa integração é fundamental”, destacou, desenvolvendo a ideia de que é preciso dar condições para que cada pessoa tenha o direito de fazer suas escolhas no mercado de trabalho.

“Aqui temos a oportunidade de olhar para o futuro e ver que neste país temos condições de criar indústria e serviços fortes, e uma política pública de produção econômica voltada para o equilíbrio ambiental”, disse, lembrando que a sustentabilidade ambiental é uma demanda de toda a população mundial atualmente.

Educação e modelo econômico

A presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, falou também sobre como a educação pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida. E lembrou que um dos entraves para isso é que o desenvolvimento do país está condicionado à política econômica vigente.

Segundo ela, do ponto de vista da economia, o país continua a produzir desigualdades sociais e educacionais de forma excludente. “A organização social do Brasil ainda é muito fragmentária e a partir das diferenças é que temos de instituir um projeto que institua a justiça social”, afirmou.

De acordo com a sindicalista, a educação ganhou relevância no país a partir da Constituição de 1988, que definiu que a educação tem de ser pública, laica e de qualidade. Apesar disso, ela identifica retrocessos no setor nos anos 1990, com as políticas de natureza neoliberal conduzidas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. “Foi adotada política de foco para o ensino fundamental, mas de qualidade duvidosa”, afirmou. Ela disse também que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), enquanto produto das práticas neoliberais de governo, abre espaço para a terceirização no setor: “A LRF vem para incentivar o uso de ONGs e burlar a contratação de servidores no ensino público”. Bebel citou como exemplo o governo de Goiás, onde o governador Marconi Perillo (PSDB) defende esse tipo de contratação, abrindo mão do controle público do processo de ensino.

Bebel comentou ainda que o governo Lula, a partir de 2003, soube valorizar o ensino fundamental, com nove anos, permitindo financiar a educação de forma mais ampla. Mas disse também que falta aprofundar o debate sobre o ensino médio, que atualmente é uma atribuição dos governos estaduais, o que não impediu o governo federal de ter um desempenho histórico nessa área com Lula e Dilma.

“Eles criaram 282 escolas técnicas no país”, destacou. Segundo Bebel, os desafios do ensino médio para que ele tenha sintonia com o desenvolvimento do país estão em proporcionar formação integral ao estudante, e também permitir uma abordagem do trabalho e pesquisa como princípio educativo e pedagógico. Ela cita também a necessidade de haver uma indissociabilidade entre educação e prática social, além de respeito aos princípios de sustentabilidade, interdisciplinaridade e educação em direitos humanos.