Temer estrangula a Justiça do Trabalho e ela pode parar em pouco tempo

Na última sexta-feira (24), o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, no Piauí, realizou um ato público em defesa da Justiça do Trabalho, dos direitos trabalhistas e das conquistas sociais e econômicas em seu próprio auditório. 

Por Renato Bazan, no Portal CTB

Justiça do Trabalho

Não era uma manifestação dentro do tribunal, simplesmente, mas organizada pelo próprio tribunal, em que magistrados, servidores, entidades sindicais, advogados e procuradores tentaram chamar atenção para o último badalar do relógio antes que a Justiça do Trabalho entre em colapso. Protestos assim têm se tornado cada vez mais comuns pelo Brasil. Além do ato público no Piauí, trabalhadores do judiciário do Acre, Rondônia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pará, Amapá, São Paulo e Santa Catarina já participam de manifestações com tom crescente de preocupação. Eles contam com apoios que vão desde órgãos oficiais, como o Ministério Público e a OAB, até grupos da sociedade civil organizada, primariamente sindicais.

A causa dessa mobilização, que também está sendo realizada desde o início de 2016, é o sufoco orçamentário imposto pelo deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), atual ministro da Saúde, sobre as instâncias jurídicas favoráveis aos trabalhadores. No final de 2015, ele conseguiu assumir a relatoria da Lei Orçamentária Anual (LOA), e fez uma dupla chantagem com a presidenta Dilma Rousseff: para evitar um corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família, Barros faria “sacrifícios” em outras áreas, incluindo a Justiça Federal. Com a caneta na mão, cortou quase exclusivamente recursos do Trabalho.

“Justo nesse momento em que vêm aumentando os processos trabalhistas, os cortes orçamentários foram muito grandes. Na cifra de 90% para investimento permanente, 30% de custeio, podendo chegar a 50% ou 70% no caso do Processo Judicial Eletrônico”, explicou o desembargador Francisco Marques de Lima, que está coordenando o movimento de denúncia no Piauí.

Quem vive o dia-a-dia dos tribunais sente na pele o que isso significa. À CTB, um servidor público que preferiu não se identificar nos deu a dimensão do drama: “Estamos sem energia para o ar condicionado, estamos com parte da segurança desativada. Os juízes estão sem dinheiro para contratar estagiários, comprometendo a eficiência de todo o tribunal, e agora estamos fechando mais cedo porque não podemos pagar turnos extras para os funcionários”. Ele diz, no entanto, que a tragédia não é acidental, mas um ato voluntário de retribuição: “Esse Barros, quando era deputado, chegou a dizer que a Justiça do Trabalho fazia mal para a economia do país. Tem vídeo disso, dele falando que ‘tem alergia à Justiça’. Extraoficialmente, todo mundo aqui sabe que isso foi uma resposta ao fato de ele mesmo ser réu em várias ações trabalhistas”, explicou. 

O povo contra o tempo

Diante de um corte tão dramático de recursos, cada TRT tem adotado uma medida diferente de resistência. Em Minas Gerais, optou-se por cortes que mantenham a funcionalidade no mínimo. Em outros estados, a falta de dinheiro já ameaça funcionários e custos de manutenção. Em São Paulo, curiosamente, o Tribunal decidiu não economizar nada, apostando todas as fichas em uma eventual mudança de postura do Governo Federal. Se nada for feito, têm até o fim de julho antes de acabarem com todo o orçamento disponível. “[Esse corte] vai inviabilizar a Justiça do Trabalho. A partir de julho, se não vier dinheiro, vamos ter um problema seriíssimo de manutenção nos fóruns”, disse ao ConJur a desembargadora Silvia Regina Devonald, presidente do TRT de São Paulo. “Os argumentos que [o ministro Barros] cita não só são preconceituosos, como totalmente despidos de qualquer conhecimento do que é a Justiça do Trabalho”, adicionou.

O movimento de resistência argumenta que, independente de estratégias regionais, o que se desenha no horizonte é uma luta que ultrapassa em muito a questão orçamentária – trata-se, no fundo, de uma disputa contra a própria existência da Justiça do Trabalho, que já foi ameaçada em ocasiões anteriores por conluios entre empresários e políticos conservadores. “Está sendo construído um discurso como se os direitos sociais fossem um peso para o Brasil. Todos sabem que não é. São os direitos sociais que desenvolvem o Brasil. E a árvore dos direitos sociais tem como tronco o direito do trabalho. Ao atingir a Justiça do Trabalho, eles estão atingindo na verdade todos as conquistas sociais dos brasileiros”, frisou Francisco Lima.

São evidentes os paralelos entre o sufocamento orçamentário imposto por Barros e as propostas mais recentes do governo interino de Michel Temer, que apontam no sentido de restringir direitos pela via legislativa. Desde o início de seu governo temporário, Temer recuperou três pautas muito graves, contrárias à Consolidação das Leis do Trabalho: a universalização da terceirização (PL 4330/04), a legalização de contratos que violam parâmetros mínimos da CLT (PL 4962/16) e a reforma da Previdência, que afasta e dificulta quaisquer formas de aposentadoria. Considerando a posição de destaque que Ricardo Barros exerce na cúpula de Temer, é improvável que haja quaisquer reações em defesa dos direitos ameaçados.

Muitos tribunais já consideram a possibilidade de parar as atividades no segundo semestre, por não terem condições de pagar as contas. Com mais de R$ 880 milhões em cortes, a precarização dos serviços e o sucateamento dos equipamentos tornará inviável sequer o protocolamento de novos processos, inclusive pela Internet. Este último caso oferece um agravante: sem a possibilidade de manter a rede do Processo Judicial Eletrônico, o custo geral dos TRTs aumentaria substancialmente, já que a ferramenta virtual reduz os custos e o tempo de tramitação processual. Considerando que o corte na área de tecnologia ultrapassa 80%, parece inevitável que haja uma retomada dos autos físicos e manuais.

Isso causa também um efeito cascata sobre as regiões menos populosas do país: a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho do Pará (Amatra-PA) alertou recentemente que a região amazônica, pela extensão territorial e necessidade de deslocar juízes e servidores para locais distantes, tornará impossível o atendimento aos municípios do interior, diante da redução drástica de recursos. Todo o funcionamento da Justiça será paralisado, prejudicando sindicatos e trabalhadores justamente na região com maior incidência de trabalho escravo.

Violência institucional

“Na verdade, isso é uma espécie de punição à Justiça do Trabalho por ser célere, por distribuir riquezas, pelo grande volume de ações. O relator do orçamento pensou em diminuir o número de ações na Justiça do Trabalho diminuindo o orçamento, mas é o contrário. Em um momento de crise como esse, as ações aumentam, então precisamos ter condições de atender essa demanda”, explica o desembargador Francisco Cruz, presidente do TRT de Rondônia e Acre.

Mas é justamente na intenção de sabotar esse processo que o ministro Barros, então relator da LOA, manifestou a intenção de acorrentar os juízes do trabalho. Pior: antes de sabotar o funcionamento dos TRTs, tentou fazer com que os próprios juízes propusessem alterações nas leis trabalhistas para que restringissem a atuação dos tribunais. A intenção era evitar o impacto negativo sobre a imagem dos parlamentares, já às voltas com o processo fraudulento de impeachment e a Operação Lava Jato. Quando as associações negaram resposta, ainda em fevereiro, o então relator do orçamento da União foi direto: “Como a Justiça do Trabalho não tem se mostrado cooperativa, vamos apresentar um corte mais significativo para que eles reflitam um pouco”. Na semana seguinte, 70% do dinheiro havia sumido.

Este corte não faz sentido, na ponta do lápis. Só o tribunal de São Paulo, em um único ano, arrecadou mais de R$ 12 bilhões em multas e tarifas, operando a um custo de R$ 2 bilhões – um retorno de R$ 6 para cada real investido, na prática. “É aqui, na execução dos créditos trabalhistas, que a gente arrecada para a Previdência e a Receita Federal, e isso vai ser um corte na alimentação deles”, apontou Lívio Enescu, presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo.

Nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) manteve-se calado diante de tamanha estupidez. Provocados pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), publicaram, em dezembro de 2015, nota conjunta na qual deixavam claro a impropriedade de tratamento dado à Justiça do Trabalho. Escreveram: “É princípio basilar da democracia que os Poderes devem agir com independência e harmonia, não havendo precedente, na história da República, da utilização explícita da relatoria do orçamento para abertamente constranger outro Poder”.

A nota não surtiu efeito. Dois meses depois dessa agressão, a Câmara dos Deputados instituía o seu golpe parlamentar também sobre o poder Executivo.