Esquerda grega torna hotel deserto em Atenas em lar de refugiados

O barulho de crianças brincando se sobrepõe ao trabalho de alguns adultos na preparação do jantar, em um dos salões do hotel City Plaza de Atenas. É Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos e o hotel fica no centro da capital da Grécia.

Crianças de refugiados brincam em um dos salões do antigo hotel City Plaza, em Atenas, sede agora de uma ocupação

Abandonado por seus proprietários, o hotel foi ocupado por ativistas de esquerda da Grécia e tornou-se em uma habitação para mais de 400 refugiados, a maioria deles crianças, desde abril deste ano.

Entrevistada para a empresa de notícias catariana Al-Jazira, Lina Theodorou, uma advogada ativista de 27 anos da Ong Iniciativa Solidária para Refugiados Políticos e Econômicos, diz que o grupo optou pela ocupação logo após a Macedônia ter fechado suas fronteiras, no final de março.

Selar a fronteira foi uma resposta ao acordo entre a União Europeia e a Turquia, para cessar o fluxo de refugiados e migrantes que pretendiam alcançar a Europa Ocidental através da Grécia, dos Bálcãs e da Europa Central.

O hotel é agora lar para refugiados sírios e afegãos e, em menor número, para famílias que fugiram do Iraque, da Palestina ocupada e de algumas nações da África. A ocupação é administrada pelos próprios refugiados, assim como de 30 a 40 ativistas que, de forma voluntária, auxiliam os migrantes diariamente.

Lina explica que o grupo pretende demandar o espaço ao poder público, porque o prefeito de Atenas retirou todos os refugiados da praça da Vitória, lugar que era uma espécie de ponto de encontro dos que procuravam migrar para outros países europeus.

"Foi um gesto para dar visibilidade ao problema dos refugiados, porque achamos que o governo grego está tentando 'escondê-los' na periferia da cidade", diz Lina.

Mais de 57 mil pessoas fugiram de guerras e da devastação econômica que atingiram seus países. Elas acabaram se aglomerando na Grécia, a partir do momento que a Macedônia fechou a fronteira.

Amontoados em campos de refugiados espalhados pelo país e pelas ilhas gregas, a maioria sofre com condições desumanas, tanto nos campos oficiais quanto nos "informais".

No City Plaza, as famílias vivem nos quartos do hotel e têm acesso a alguns benefícios concedidos a refugiados, além de educação e alimentação, entre outros serviços. A maior parte dos moradores têm funções, de acordo com suas habilidades.

Obedecendo aos princípios de auto-organização e democracia, as decisões sobre as operações e atividades da ocupação são tomadas por meio de consenso geral e obtidas depois de debates e discussões entre residentes e ativistas.

Wael Alfarawan, um palestino de 26 anos que é pai de duas crianças e que fugiu de Deraa, é barbeiro voluntário do hotel. Um grupo de crianças rodeia o barbeiro e observa um jovem se acercar e pedir a Wael que apare sua barba.

"Nos sentimos como uma família aqui", diz, enquanto maneja sua tesoura. entrei em contato com várias Ong's e nenhuma me ajudou. Eles, aqui, me ajudaram bastante. Nos ajudaram e nós os ajudamos".

A ocupação do City Plaza é uma das algumas iniciativas feitas em Atenas e arredores por organizações que não aceitam a assistência do governo grego e de outras organizações humanitárias.

Mais de um milhão de refugiados e migrantes alcançaram a Europa por barcos em 2015, de acordo com a agência para os refugiados da ONU, a ACNUR. Mais de 223 mil atravessaram o Mar Mediterrâneo só neste ano.

"Somos anticapitalistas, somos contra o imperialismo e tudo que o cerca. Para nós, se sua ação não corresponder às necessidades reais, então ela será vazia de conteúdo", diz Lina.

Desde que foi fechado o acordo entre a União Europeia e a Turquia, os refugiados só têm a opção de pedir asilo na Grécia ou retornar para a Turquia.

Com o esforço do governo grego de diminuir o número de pedidos de asilo de refugiados, medo e tensão aumentaram nos campos. Nas ilhas gregas há mais de 8,4 mil refugiados que foram barrados de fazer a travessia até a parte continental da Grécia até que o governo do país os incluísse em sua burocracia e concedesse asilo.

Rabee Abo Tarah, um sírio de 26 anos, trabalha no City Plaza como tradutor para aqueles que não falam inglês ou grego. Ele trabalhou em Istambul, capital turca, por um período e enviou dinheiro para sua família em Damasco, mas acabou decidindo ir para a Europa quando seu pai morreu no início deste ano.

Após permanecer um mês com as pessoas que abriram as portas para ele em Atenas, alguns ativistas o informaram do City Plaza. "Este é um bom projeto. É uma ocupação que persegue objetivos humanitários e políticos. Eu apoio isso", diz ele.

O cozinheiro Abdoulaziz Sall, de 37 anos, também é voluntário da ocupação. Deixou Senegal em 2010 e veio para a Grécia, muito antes da grande migração atual. Embora more num bairro da periferia, Exarcheia – que é um refúgio da esquerda e de movimentos anarquistas – Sall trabalha como voluntários 5 dias por semana na ocupação.

Ele explica que foi tocado pelo senso de solidariedade com as pessoas que fizeram a mesma jornada que ele fez há seis anos. "Deixei meu emprego e agora sou um voluntário no trabalho solidário. Para mim, meu projeto é ajudar o máximo possível".

Seraphim Seferiades, professor de política na Universidade Panteion de Atenas, afirma que iniciativas como a do City Plaza agem de forma crucial, enquanto os acampamentos oficiais atravessam por momentos extremamente duros e cada vez piores.

"Os campos de refugiados se tornaram inviáveis", diz. "O objetivo maior agora é manter os refugiados onde estão e tentar resolver o problema", apontando a piora da saúde dos migrantes nos campos como uma das condições que inviabilizam os mesmos.

O professor afirma que gerenciar o fluxo de dezenas de milhares de refugiados e migrantes é uma tarefa árdua. "Mas há mais de 11 milhões de habitações desocupadas na União Europeia", revela.