Gilmar Mendes e a corrupção eleitoral

O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, uma das maiores lideranças do golpe institucional, declarou que a proibição de doações empresariais pode gerar fraudes e caixa dois. Ora, fraudes e caixa dois sempre existiram por meio do financiamento empresarial de campanha. Na realidade tal formulação é uma justificativa esfarrapada para o retorno deste tipo de financiamento como parte de uma reforma política das elites.

Por Aldo Arantes*

Gilmar-Mendes - Agência Brasil Antonio Cruz - Agência Brasil/Antonio Cruz

Por outro lado em declaração à justiça federal o publicitário João Santana contribuiu para desnudar o cinismo da oposição que procura ocultar o caixa dois como a base financeira principal de suas campanhas. Ele afirmou que “98% das campanhas no Brasil utilizam o caixa dois” e que “o caixa dois é um dos principais, senão o principal, centro de gravidade da política brasileira”.

Tal ponto de vista está em sintonia com a posição da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, articulação de mais de uma centena de entidades do movimento social entre as quais a CNBB, OAB (na gestão passada), MCCE ( Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, Contag, UNE, CTB e CUT. Tal articulação considera que a influência do poder econômico no processo eleitoral é a principal causa da degradação da democracia e raiz da crise política que enfrentamos. Esta foi a razão que levou a OAB a entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o financiamento empresarial de campanha, no Supremo Tribunal Federal.

A influência do poder econômico não só abre caminho para a corrupção eleitoral como captura o sistema político. Através de um “passe de mágica” o dinheiro transforma a minoria em maioria no Congresso Nacional. A minoria da sociedade constituída por empresários urbanos, rurais, banqueiros e empreiteiros se transforma na ampla maioria dos parlamentares. Com isto suas decisões não atendem aos anseios da maioria da população criando um descredito no atual sistema político.

Uma verdadeira democracia assegura a todo segmento político as condições para a defesa de seus pontos de vista e garante, através do sistema eleitoral proporcional, sua representação política. Portanto o segmento empresarial, como os demais, tem todo direito de defender seus interesses. O que é inaceitável é a utilização do poder do dinheiro para corromper e impor uma representação política distanciada das aspirações da maioria da sociedade.

Em outra parte de suas declarações o Ministro Gilmar Mendes afirma “demos um salto no escuro ao escolhermos o fim da doação privada sem mudar o sistema eleitoral”. E que “em novembro precisaremos discutir uma reforma, inclusive desta legislação”.

É bom recordar o papel de Gilmar Mendes na questão do financiamento empresarial de campanha. Desde o início dos debates da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o financiamento de campanha por empresas o Ministro se colocou contra, pedindo vista do processo para impedir o término da votação. Pretendia, com isto, assegurar que seu aliado Eduardo Cunha conseguisse aprovar uma emenda constitucional garantido a constitucionalização do financiamento empresarial.

Para tanto, fez abertas articulações e impediu a votação final da ADI por mais um ano e cinco meses. Só permitiu que o processo fosse levado ao plenário do STF quando teve a garantia de que o projeto de lei que garantia o financiamento empresarial de campanha seria submetido à apreciação da Câmara dos Deputados. Fato revelador é os que se diziam defensores da ética, sobretudo os integrantes do PSDB e DEM, votaram maciçamente a favor do financiamento empresarial de campanha. Tal decisão não foi levada à prática porque foi vetada pela Presidenta Dilma.

Na votação da ADI somente os ministros Celso de Mello e Teori Zavascki acompanharam Gilmar Mendes. Foi amplamente vitoriosa a tese da inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanha com o voto dos demais nove ministros.

As declarações do Ministro Gilmar Mendes evidenciam o real objetivo dos golpistas. Realizar uma ‘”reforma política” visando aprofundar o caráter elitista do estado brasileiro. Tal proposição foi expressa recentemente pelo ex-presidente Fernando Henrique.

A tal reforma pretende assegurar o retorno do financiamento empresarial de campanha e, ligado a este, introduzir o sistema eleitoral distrital liquidando com o democrático sistema proporcional.
O sistema proporcional foi fruto da luta dos trabalhadores, sobretudo europeus, no século 19, por uma representação política que expressasse os interesses dos diversos segmentos sociais. Ele foi adotado no Brasil pela revolução de 30 e mantido em todas as constituições posteriores. É importante destacar que a ditadura militar tentou liquidá-lo adotando o sistema distrital misto, mas não conseguiu.

Cabe ressaltar que o sistema proporcional de lista aberta acarreta várias distorções. No entanto o caminho não é abandoná-lo e implantar o retrocesso democrático e sim aperfeiçoa-lo como propõe a Coalizão em seu projeto de reforma política.

Além da adoção do sistema eleitoral proporcional misto a tal reforma não cria mecanismos para assegurar uma expressiva representação das mulheres, não garante meios que ampliem a democracia direta, assim como procura liquidar a liberdade de organização partidária com a adoção da clausula de barreira e a proibição das coligações proporcionais.

A realização de uma reforma política democrática é um passo decisivo para avançarmos no aprofundamento da democracia. Todavia não conseguiremos tal objetivo a não ser com uma nova composição do Congresso, que só virá com uma ampla mobilização popular.
Neste momento o que está colocado diante do povo brasileiro não é a possibilidade de avanços, mas o risco de um profundo retrocesso que, em parte já está ocorrendo. Assim, para garantir novos avanços a tarefa imediata é assegurar as conquistas obtidas.

Alguns segmentos políticos e do movimento social defendem o ponto de vista de que a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva poderia abrir caminho para novos avanços democráticos.

Esta alternativa suscita uma série de consequências sendo a mais grave a de poder abrir o caminho para que a direita liquide com a Constituição de 88 e suas conquistas democráticas, econômicas e sociais.

Por outro lado esta proposta unifica apenas setores de esquerda, mesmo assim não todos. Nesta conjuntura nem toda esquerda é capaz de barrar a ofensiva da direta.

Torna-se indispensável unir amplos setores da sociedade que, em aliança com os setores populares, consiga reverter a ofensiva conservadora. Para isto é essencial reconquistar o apoio de setores médios da população indignados com o fato de estarem rasgando a constituição, atropelando o estado democrático de direito e as conquistas dos trabalhadores, mulheres, negros e das minorias.

Só teremos condições de avançar no processo democrático, mais adiante, se agora detivermos o avanço da direita sobre as conquistas obtidas. A esquerda tem um papel fundamental de se constituir em núcleo aglutinador desta grande aliança política em defesa da legalidade e da democracia.

Neste momento a luta democrática deve se voltar para a defesa da legalidade. Para obtermos a vitória, o que não é fácil, é indispensável apresentar uma saída política capaz de sensibilizar amplos segmentos da sociedade.

Pesquisas recentes indicam que amplos segmentos colocam a realização de eleições como a melhor alternativa para enfrentar a crise. Por isto mesmo vai ganhando apoios, cada vez mais amplos, a alternativa da realização de um plebiscito para eleições do presidente.

Tal alternativa abre a possibilidade real de conquistar amplos segmentos da sociedade criando assim um caminho efetivo que pode levar à vitória contra o golpe e pela democracia.