Proibir “Fora Temer” é ato de estado de exceção, afirma Pedro Serrano

A denúncia ao golpe no Brasil ganhou destaque nos últimos dias com o início dos Jogos Olímpicos. Além das vaias que entoaram na abertura durante a fala de Michel Temer (PMDB), na sexta-feira (5), as arquibancadas ganharam camisetas, cartazes e faixas com o “Fora Temer”. Para reprimir as manifestações silenciosas, o governo provisório tenta se amparar numa legislação especial (Lei 13.284), sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, que dispõe sobre as medidas relativas aos jogos.

Por Dayane Santos

Fora Temer Mineirão - Olimpíadas - Reprodução

Para proteger o governo Temer, a grande mídia abordou o assunto como se os policiais estivessem apenas cumprindo o dever legal e os manifestantes violando a lei, aproveitando ainda para culpar a presidenta por ter sancionado a medida. “Quem for pego será levado para fora das praças esportivas; decisão foi baseada em decreto de lei assinado por Dilma dois dias antes de afastamento”, afirma matéria publicada pelo Estadão neste domingo (7).

“Se a Constituição garante o direito à livre expressão, o decreto presidencial que estabeleceu a lei olímpica de maio de 2016 estabelece regras claras que impedem que manifestações comerciais, religiosas ou políticas”, diz a matéria. No entanto, a referida lei sancionada pela presidenta eleita Dilma, tem como objetivo impedir manifestações de cunho racista e discriminatório, não havendo na lei nenhuma proibição a manifestações de cunho político, o que violaria a Constituição. Aliás, se fizer uma busca da palavra "política" no testo da lei encontrará nenhuma.

No sábado (6) foi divulgado nas redes sociais um vídeo em que mostra um espectador da prova de tiro com arco sendo retirado do Sambódromo por homens da Força Nacional após, supostamente, exibir cartaz pedindo o “Fora Temer”.

Em outro vídeo, torcedores foram abordados no Mineirão por agentes de segurança, durante o jogo França x Estados Unidos do futebol feminino, por estarem vestindo camisetas com as letras que formavam a expressão "Fora Temer". No vídeo, um policial diz que os torcedores estavam infligindo o artigo o artigo 28 da Lei da Olimpíada.

Em entrevista ao Portal Vermelho, o professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo e jurista, Pedro Serrano, afirmou que a repressão das Forças de Segurança Nacional nos eventos “é um ato de exceção, um abuso de autoridade”.

“Um ato de estado de polícia e não um ato de estado democrático”, reforça o professor, ressaltando que a aplicação da lei pelo governo “é absolutamente inconstitucional” e explica porque: “Primeiro porque o espírito da lei não é estabelecer esse tipo de repressão, já que ela própria fala da preservação ao direito de livre manifestação. Segundo, mesmo que se interprete que ela diga isso, ela tem que ser interpretada conforme a Constituição, que determina expressamente o direito a livre manifestação”, reforça.

Serrano refere-se ao artigo 28, inciso IV, da lei estabelece que para ter acesso e permanência nos locais oficiais dos eventos olímpicos não se pode “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”. Neste mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, diz: “É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana”.

“O argumento de que manifestação política em estádio põe em risco a segurança do espetáculo e das outras pessoas, não é um argumento válido adequado. Na realidade a repressão fascista a esse tipo de manifestação é que põe em risco a segurança das pessoas e a segurança dos estádios”, afirmou o jurista.

Para o também professor Edson Luiz Baldan, delegado de polícia, especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e professor da PUC, trata-se de uma prática autoritária.

“Práticas autoritárias que não correspondem ao discurso. Forças policiais não (re)configuradas à vivência democrática e que não norteiam suas ações para e pelos direitos individuais. Não têm pudor de obedecer ordens ilegais de governos ilegítimos. Instituições sem controle servem a qualquer senhor”, disse ele, por meio das redes sociais.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto também comentou o assunto. "Você levar uma placa ou cartaz dizendo fora quem quer que seja, pacificamente, é uma legítima manifestação da liberdade de expressão e, logo, não cabe este tipo de cerceamento", disse Britto.

Segundo Ayres Britto, o direito à liberdade de expressão "independentemente de censura ou licença" é garantido pelo artigo 5º da Constituição.

"Neste caso, atrapalhar uma competição com um grito significa interferir no espaço jurídico dos competidores. Mas fora isso, a manifestação silenciosa não pode ser reprimida", destacou.

Serrano também reforça que tal manifestação é assegurada pela Carta Magna. “Quando se faz uma manifestação com cartaz, pacificamente, está absolutamente dentro do direito do cidadão e não está pondo em risco a segurança de ninguém. Ninguém precisa concordar com o que está em escrito no cartaz. Se o cartaz diz uma bobagem, a livre expressão serve para proteger bobagem. Se uma coisa é um consenso, não precisa ser protegida por livre expressão”, ironizou ele sobre o consenso do “Fora Temer”.

E acrescenta: “A livre expressão serve justamente para proteger aquele que se opõe ao governo. E para isso que serve”.

Diante do estado de repressão, Serrano sugere que aqueles que desejam expressar sua opinião nos estádios devem assegurar esse direito por meio de um habeas corpus preventivo ou um mandado de segurança garantido por meio de alguma entidade de torcedores, o que evidencia ainda mais o retrocesso provocado pelo golpe contra a democracia, já que expressar opinião política só é crime em governos de exceção.