Documentário aborda rotina de moradores de ocupação em SP

Em 2014, recém-chegado de Portugal, após quatro anos fora do Brasil, Eduardo Neco teve a atenção despertada para um movimento em uma área próxima de onde morava, no Campo Limpo, na zona sul paulistana. Quando viu helicópteros na região, pegou sua câmera e foi até o local. E não saiu mais de lá durante 18 meses, sendo seis deles diariamente. 

Direito à moradia - Fábio Nassif

Daí nasceu o documentário Ocupados (NK Media Studio), que durante uma hora e 18 minutos fala da Ocupação Dona Deda, ligada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), exibindo detalhes da organização, a rotina e dramas de seus integrantes.

"O nosso objetivo era fazer um documentário de observação, somente de observação. O doc não tem entrevistas e não tem off", conta Neco, lembrando que o roteiro foi feito sem interferências. "Quando cheguei na ocupação, eu disse que não ia entrevistar líderes. Eles aparecem, mas têm uma função narrativa, explicam o que está acontecendo." Para o diretor, o filme questiona "a estética revolucionária, de alguma maneira questiona a eficiência desse tipo de abordagem". Segundo a apresentação, Ocupados "é o retrato particular de um processo de reivindicação legítimo e suas contradições", "revelando facetas da sociedade brasileira dentro de um contexto de militância".

 
O filme mostra momentos tensos, como o da desistência do ocupante de um dos barracos, o 153, Demóstenes Ferreira, por causa de "coisas que não cabem", segundo ele afirma, reclamando. Há também cenas engraçadas: quando alguns integrantes interrompem uma tarefa para o lanche e usam a serra para abrir os pães. Exibe ainda manifestantes cantando "Somos sem-teto, nossa luta não vai acabar" em ritmo de Trem das 11, de Adoniran Barbosa, e o bordão sempre presente: “Criar, criar, poder popular”.
 
O líder do MTST Guilherme Boulos aparece em mais de uma ocasião. Na Câmara Municipal, durante votação do Plano Diretor (no único episódio registrado de conflito com a polícia), por exemplo, e dando entrevista para a TV Globo em um local próximo da Arena Corinthians, estádio de abertura da Copa do Mundo, a pouco mais de um mês do início da competição, realizada em junho de 2014.
 
Neco mostra algum estranhamento com o sistema adotado pelas lideranças da ocupação, que fazem uma espécie de "pontuação de luta" entre os moradores, que dará preferência nos cadastros. O critério é de quantos atos o ocupante de determinado barraco participou e quantas faltas teve – se alguém falta muito, será procurado para saber os motivos. O filme também registra uma conversa, que o diretor considera contraditória, em que é apresentada uma lista de candidatos "indicados" pelo movimento, a presidente da República, governador, senador e deputados. O movimento diz não apoiar ninguém, mas aponta "candidatos aliados".
 
O cineasta aborda o regime interno da ocupação. Não pode haver agressão física, nem bebida, nem drogas. Se isso acontecer, os envolvidos vão para o "coletivo". Certos estilos musicais, como o funk, são vetados. Neco conta que havia uma boa relação entre moradores da região e integrantes da ocupação, em área onde antes ficava um terreno usado para desova de cadáver e de carros roubados. "Boa parte dos acampados residia no bairro. Era uma ocupação quase familiar." Chegou a ter 400 famílias cadastradas. Resultou na decisão de construir 100 unidades habitacionais, mas ainda não há ninguém morando no local.
 
No período em que acompanhou o dia a dia da ocupação, Neco disse ter observado "forças que cooperam e também se anulam, coletivo versus individual, conflito constante". "As pessoas não ocupam terrenos, elas são ocupadas", afirma.



Ocupados – O Filme from NKMEDIASTUDIO on Vimeo.