Proteção dispensada a Eduardo Cunha é um 'escárnio', diz professora da USP

A socióloga com especialização no campo da Ciência Política e do Direito e professora da Universidade de São Paulo (USP), Maria Victoria Benevides, afirmou em entrevista à Rede Brasil Atual, que considera a proteção dispensada a Cunha como "um escárnio em relação à ideia da política como busca do bem comum". O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcou para uma segunda-feira, 12 de setembro, a votação em plenário da cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o que demonstra clara ação para beneficiar o parlamentar réu na Lava Jato.

Maria Vitória Benevides - Reprodução

"Esse caso é um exemplo trágico de a que ponto chegou a política brasileira, no que ela tem de mais arraigado de compadrio, de fisiologismo, de falsidade em todos os sentidos, de não representação democrática do interesse da maioria do povo, e de um escárnio em relação à ideia de política como a busca do bem comum", afirma a professora.

E completa: "Ele está sendo protegido, inclusive, por quem participava do governo Lula. Já houve quem dissesse que ele tem mais poder do que o próprio presidente usurpador. Ministros que foram do governo Lula, como Romero Jucá, Renan Calheiros, Eliseu Padilha e não sei mais quem, Moreira Franco, são a corja de conspiradores. É uma posição política no sentido de dizer que é a oligarquia defendendo seus privilégios contra os interesses do povo. Não são democratas, são golpistas conspiradores".

A professora disse ainda estar convencida de que a Operação Lava Jato tem o objetivo de atingir o ex-presidente Lula e o PT. "E esses objetivos estão sendo cumpridos. Eu digo isso porque nunca a corrupção, por mais escancarada que fosse, abalou a classe média ao ponto de chegar a ter ódio, e manifestações públicas no nível a que se chegou. Nunca juiz nenhum, nem Polícia Federal, nem Ministério Público se uniram para uma caçada geral e duríssima, nunca. E nós sabemos que corrupção sempre existiu. E os interesses por detrás têm relação mesmo a coisas sem muita importância", afirma.

Ela reforça comparando o tratando dispensado a Lula e ao Cunha. "Quando a gente compara os bilhões e bilhões da conta Cunha por mais que ele esteja indiciado e denunciado, não sabemos como vai terminar, mas quando a gente vê alta proporção de indiciados em processos de corrupção e assemelhados, eles estão lá, na presidência do Senado, ex-presidente da República, ministros – uma parte ampla de deputados e senadores acha tudo muito natural", frisou.

Ela classifica a atual crise política como um "período tristíssimo". "Do ponto de vista histórico, é um período que dá para comparar em termos de um pêndulo com o que veio em consequência da ascensão de uma política mais democrática, mais justa em relação ao trabalhador, que foi o governo João Goulart, por quem eu tenho um grande respeito, pêndulo no sentido de que houve um crescimento – eu estava lá no Rio, na época, no movimento estudantil e aquela efervescência popular, aquela crença de que enfim nós daríamos um arranque importante pela justiça social, e muitos até achando que seria um caminho para o socialismo, e depois aquela queda vertiginosa e a ditadura civil-militar iniciada com o golpe de 1964", afirma.

Para ela, ainda comparando com o período que antecedeu ao golpe, "nós tivemos mais do que com o governo João Goulart um avanço considerável com os dois governos Lula em relação às políticas sociais, voltadas para os mais vulneráveis".

"E, junto com isso, algo que nem teria condição de existir no governo Jango, na proporção que tivemos com os governos Lula, até pelo tempo, um crescimento bastante significativo em termos de política externa. É um dos lados inegáveis do avanço político do governo Lula. Dificilmente, em um país como o nosso, essa força política direcionada para os de baixo, e com essa repercussão positiva no exterior, poderia durar tanto tempo em um país absurdamente desigual como o nosso, com uma dominação oligárquica ainda indestrutível como a do Brasil", salientou.

Maria Victoria Benevides é uma das referências do pensamento progressista no país. Fundadora do PT e conselheira do Instituto Lula, ela tem se manifestado contra o projeto Escola sem Partido, que em sua visão exclui o pensamento crítico e o pluralismo de ideias e modos de ser. A professora defende que a abordagem dos direitos humanos seja uma prática transversal nas escolas, presentes não apenas em todas as disciplinas, mas em todos relacionamentos, com base nos valores da liberdade, igualdade, tolerância, diversidade e democracia.

Ela se posiciona contrariamente aos setores conservadores que apoiam o governo interino de Michel Temer e imaginam que o Senado porá fim à crise política. Ela diz que o impeachment está longe de resolver a questão. "O impeachment não vai solucionar a crise política, e esse governo não terá realmente condições de enfrentar de maneira positiva os problemas econômicos", disse.