Site francês desnuda mídia e golpe contra Dilma Rousseff 

Nesse artigo publicado no Mediapart – site da mídia independente da França, a jornalista Marilza Foucher desnuda o golpe que destitui Dilma Rousseff do cargo de presidenta eleita do Brasil. Ela explica que “os correspondentes franceses no Brasil preferiram apenas copiar e colar, sem fazer análise política e, dessa forma, contribuíram com uma enorme distorção da realidade da política brasileira na França.” 

Julgamento de Dilma - Edilson Rodrigues/Agência Senado

Leia a íntegra da matéria intitulada Dilma Rousseff, vítima de um golpe de estado muito maquiavélico

A presidenta Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade? De acordo com o grande jurista brasileiro Dalmo Dallari, a resposta é NÃO. O impeachment foi, antes de tudo, político, porque a "pedalada" foi utilizada impunemente por seus antecessores e não caracteriza crime de responsabilidade fiscal, pois não há prejuízo ao erário.

A "pedalada" consiste em um artifício contábil, mas o dinheiro não sai dos cofres públicos, portanto não caracteriza desvio de fundos públicos. Em entrevista ao Jornal do Brasil no dia do impeachment, Dallari disse que o voto pelo impeachment com manutenção dos direitos políticos de Dilma Rousseff mostra que o Senado nunca foi capaz de provar a responsabilidade fiscal e que não houve crime, confirmando a fragilidade do processo.

O presidente da Associação dos Juízes do Brasil pela Democracia (AJD), André Bezerra, declarou que a associação considera a votação no Senado "totalmente ilegítima". Para ele, o processo "ignorou completamente a natureza jurídica que deveria ter tido, tendo se transformado numa votação de caráter puramente político". Para o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcelo Lavenère, a destituição de Dilma é "uma das páginas mais tristes" da história do Brasil. É a crônica de uma morte anunciada. Segundo Lavenère, a separação da votação no Senado, que encerrou o mandato da presidenta preservando seus direitos políticos, é uma tentativa de atenuar uma decisão ilegal.

O ataque mais violento ao golpe de estado, no entanto, vem do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Joaquim Barbosa, que comparou os partidos políticos que cassaram o mandato de Dilma a "facções" que tomaram o poder para se proteger e continuar a roubar.

O Brasil viverá, portanto, em uma anomalia institucional durante dois anos. Para o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, o país sofreu um golpe orquestrado pelas classes hegemônicas. Segundo ele, o Senado rejeitou não apenas a presidenta, mas seu projeto para o país. Para o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, o novo governo não vai priorizar temas como a desigualdade social, pois só pensa no "mercado".

Os conspiradores não querem ouvir o termo "golpe", para tentar dar uma imagem de normalidade institucional no plano internacional. Mas como chamar um processo em que uma chefe de Estado eleita democraticamente é afastada de suas funções com uma justificativa legal duvidosa?

A verdade é que a maioria dos senadores conservadores nunca aceitou que uma ex-guerrilheira tivesse chegado ao poder. O Brasil é um país conservador, de cultura ultramisógina, e Dilma Rousseff, desde o início de seu primeiro mandato, não foi poupada pela mídia, que a perseguiu com comentários e piadas de uma violência de gênero extrema. Ela foi condenada, também, por ser mulher.

A Presidenta Dilma Rousseff foi alvo de uma vasta e permanente campanha de desestabilização. Reeleita com mais de 54 milhões de votos, sua eleição foi, para a oposição, e também para a mídia, uma derrota jamais digerida. Os partidos de direita brasileiros e os setores mais conservadores da sociedade sempre tiveram o apoio incondicional do quarto poder: a grande mídia do Brasil.

Com o apoio desta mídia e dos conservadores do judiciário, uma mulher honesta foi condenada. A imprensa brasileira criou a imagem de uma presidenta envolvida em escândalos de corrupção, em posição de acusada. Infelizmente, a corrupção é endêmica no Brasil, ocorre em todos os ambientes, não sendo exclusividade da classe política.

Foi no governo de Dilma que os meios de luta contra a corrupção foram ampliados. A Presidenta do Brasil fez da "cultura de transparência" seu cavalo de batalha. Por isso foi destituída. A revelação de gravações demonstra a verdadeira razão do golpe contra a democracia e contra o mandato legítimo de Dilma. Nestas gravações, o senador Romero Jucá, do PMDB, propõe "um acordo" que passa pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff para abafar as investigações de esquemas de corrupção na Petrobras, em que ele próprio está envolvido: "Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o Governo para estancar essa sangria. É um acordo, botar o Michel (Temer) num grande acordo nacional"

O objetivo era justamente travar a investigação de corrupção na Petrobras e “varrê-la para debaixo do tapete ", afirmou o ex-ministro de Dilma Ricardo Berzoini. Este golpe parlamentar foi executado sob pressão dos meios de comunicação e de uma parte conservadora do poder judiciário. Para os brasileiros que elegeram Dilma Rousseff por sufrágio universal, a democracia brasileira acaba de ser mutilada.

O Senado condenou a presidenta – por decisão da maioria – sem realmente demonstrar que ela havia cometido um crime. Esta decisão, que já entrou para a história das grandes injustiças, foi tomada por uma coalizão de parlamentares corruptos. A presidente Dilma Rousseff foi destituída, mas permanecerá na história como vítima de um golpe parlamentar e como uma grande dama da resistência. Ela não era obrigada a ir se defender diante dos senadores determinados a abatê-la.

"Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas Excelências, e dizer (…) que não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente”. Ela enfrentou um parlamento com uma maioria de corruptos transformados em juízes. Durante 13 horas seguidas, apesar do cansaço, respondeu calmamente, mas com firmeza, a cada uma das intervenções dos 48 senadores. Ao contrário de seus detratores, ela não está pessoalmente envolvida em qualquer acusação de corrupção ou de desvio de fundos – a acusação é de ter feito acrobacias contábeis, praticadas impunemente por seus antecessores.

Infelizmente, a Justiça no Brasil tem dois pesos e duas medidas – e duas velocidades, o que atrasa a condenação de parlamentares brasileiros, dos quais 58,1% (de acordo com a ONG Transparência Internacional) têm ou tiveram problemas com a justiça por crimes de corrupção. Graças à imunidade parlamentar, só respondem criminalmente perante o STF, que não demonstra pressa em julgá-los. Estes mesmos parlamentares foram autorizados por este tribunal a se tornar juízes e condenar uma Presidenta inocente. Para interromper o mandato de Dilma Rousseff, o processo, é claro, não se arrastou.

A destituição de Dilma é um imbróglio político e jurídico maquiavélico que abre um período de instabilidade política no Brasil. As bases democráticas da nação brasileira estão em risco. A questão do golpe de Estado parlamentar no Brasil não está isolada do contexto internacional de crise do capitalismo financeiro. As políticas neoliberais foram contestadas quando as grandes potências viram suas economias entrar em colapso, a partir de 2008. Mesmo tendo sido a grande responsável, porém, a ideologia neoliberal não foi varrida com a crise porque sofreu uma reorganização e os estados intervieram para evitar a depressão e a falência do sistema. Keynes foi rapidamente ressuscitado – e rapidamente enterrado de novo. O continente sul-americano não poderia seguir um caminho diferente do neoliberalismo.

Michel Temer, que nunca conseguiu ganhar uma eleição no Brasil, é muito impopular, ávido por poder e vingança. É a melhor escolha para implementar no país um projeto de "estado neoliberal”. Menos de uma semana após chegar ao poder de forma interina, começou a desmantelar todos os programas de inclusão social referentes ao direito à moradia, educação, saúde e trabalho. Uma enorme injustiça com a camada menos favorecida. Foram estes programas de inclusão social que haviam feito a reputação de Lula e Dilma no cenário internacional.

Reafirmando sua inocência, Dilma deixou a Presidência da República com esta declaração: "A história será implacável com eles", disse, num discurso incisivo, em que defendeu a continuidade da luta pela construção de "um Brasil melhor”. "Nada nos fará recuar. Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer “até daqui a pouco”.Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano”. E acrescentou: "Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer”.

A primeira mulher presidente do Brasil lutou e continuará a lutar para defender o Estado de direito e a democracia. O golpe parlamentar ficará registrado na memória da história política brasileira, e Michel Temer será sempre considerado um presidente ilegítimo.

Gostaria de compartilhar com o público de Mediapart uma outra visão, diferente daquela da imprensa francesa. Com poucas exceções, os correspondentes franceses no Brasil preferiram apenas copiar e colar, sem fazer análise política. Difícil saber se por falta de informação sobre a complexidade política do Brasil, ou por desconhecimento da parcialidade da mídia brasileira, e dessa forma contribuíram com uma enorme distorção da realidade da política brasileira na França.