Constituição completa 28 anos sob ataque, dizem juristas

A Constituição Federal completa 28 anos nesta quarta-feira (5). Apesar da pouca idade, a Constituição enfrenta o mais feroz ataque da sua história, ameaçando conquistas sociais e o Estado Democrático de Direito. O Portal Vermelho conversou com Lenio Streck, Thomas Bustamante e Dalmo Dallari, três importantes juristas que destacaram a importância do respeito à Carta Magna para o pleno exercício da cidadania e da democracia.

Por Dayane Santos

Dalmo Lenio e Thomas - Reprodução

“Defender a Constituição hoje é um ato revolucionário”, sintetizou o professor de direito constitucional, Lenio Streck. Segundo ele, o Estado Democrático de Direito está em risco por conta de um suposto combate à corrupção. “Me admira muito que existam juízes no Brasil a favor da quebra da constitucionalidade. É entristecedor”, completa o jurista.

Diferentemente do que afirmou o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello, que durante sessão plenária por ocasião da promulgação da Constituição disse que não há “ruptura do processo democrático”, o jurista acredita que o país vive um profundo retrocesso.

“Hoje, defender a Constituição e a legalidade é um ato revolucionário. Nossa luta é uma luta pela preservação das leis e da Constituição. É preciso ser conservador no sentido de que a conservação significa a preservação do que a Constituição diz para evitar que movimento de desrespeito às leis derrotem aquilo que a gente conquistou depois de muita luta. Custou muito caro construir essa Constituição”, frisou.

Ao se referir à Constituição, a grande mídia insiste em afirmar que se trata de uma Carta Magna inflada, com um excessivo número de artigos e garantias. Lenio discorda enfaticamente: “Essa é a melhor Constituição do mundo. Nenhum país tem uma Constituição civilizatória como o Brasil. Quem acha que a nossa Carta Magna é muito inchada não conhece as constituições da Espanha, Portugal e da Alemanha. Não temos nem mais nem menos do que os outros têm”.

Segundo professor, as garantias sociais asseguradas pelo texto constitucional é resultado de anos de resistência da elite, que governava o Estado sem cumprir a lei. “Ninguém cumpria. As leis eram feitas por um regime ditatorial, então criou-se um patamar democrático que garantiu, a partir de 1988, que as leis seriam respeitadas”, afirmou.

Dalmo Dallari, professor emérito da USP, também afirma que a Constituição brasileira é um marco na história da humanidade.

“Temos uma das Constituições mais democráticas do mundo. Essa foi uma conquista do povo. A Constituição é expressão da vontade livre e democrática do povo brasileiro. É um instrumento que o Brasil criou para dar efetividade aos direitos fundamentais proclamados, consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O respeito à Constituição, a luta pela prevalência da Constituição não é só dever dos juristas, é direito e dever de toda a cidadania porque é de interesse de todos”, salientou Dallari.

O jurista afirma que o processo de impeachment foi marcado por uma sequência de violações ao texto constitucional. “Qualquer tentativa de desrespeito à Constituição, as instituições governamentais, aos direitos sociais é essencialmente inconstitucional”, frisa.

Para Thomas Bustamante, professor da UFRJ, o fundamento usado para aprovar o impeachment “foi um crime fabricado”.

“Ficou claro que não há nada que se aproxime de um crime de responsabilidade, a menos que se redefina o crime de responsabilidade como se fosse um voto de desconfiança parlamentarista. No entanto, o crime de responsabilidade pressupõe requisitos como definição prévia em lei, tipicidade fechada, exigência de culpabilidade, prova de autoria e exigência de irretroatividade na definição da conduta criminosa. Nada disso se observa no impeachment”, salientou o jurista.

Para ele, não há dúvidas de que se trata de um golpe contra a Constituição. Ele explica: “O que é um golpe? Os golpistas ficam ofendidos quando os chamamos de golpistas, mas golpe de Estado é a destituição ilegítima de um governo eleito legitimamente no regime democrático. E o que caracteriza essa ilegitimidade? É o poder de remover o Presidente da República fora das situações autorizadas em lei. Foi o que aconteceu”.

E completa: “No sistema presidencialista, se há um princípio que pode justifica-lo, política e moralmente, é a ideia de que o governo a de ser escolhido pelo povo. E essa decisão não pode ser compartilhada com ninguém. Só o povo pode retirar o presidente pelo ‘conjunto da obra’. Se abrirmos mão desse princípio estamos abrindo mão da Constituição”.