Pedro Serrano: Estão substituindo a farda pela toga

Em entrevista ao Sul21, o professor de direto Constitucional da PUC, Pedro Estevam Serrano, afirmou que vivemos em um estado de exceção no Brasil em que o sistema de justiça está substituindo o papel que os militares desempenhavam na interrupção de democracias.

Pedro Serrano - Foto: Guilherme Santos/Sul21

“O que parece estar ocorrendo na América Latina é a substituição da farda pela toga”, disse o jurista, enfatizando que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, integrado pelo juiz Sérgio Moro, fez uma declaração formal da exceção ao afirmar que a Lava Jato estava lidando com questões de caráter excepcional e que, portanto, não deveria se submeter às normas gerais, ou seja, à lei e à Constituição.

Ainda de acordo com a análise do jurista, a américa Latina enfrenta a existência de um estado de exceção que governa com violência os territórios ocupados pela pobreza e onde o Judiciário funciona como instrumento de legitimação, elegendo um inimigo como alvo, que é apresentado como bandido, em geral, é identificada com a pobreza.

“O TRF4 fez uma declaração formal da exceção, dizendo que a Lava Jato estava lidando com questões de caráter excepcional e que, portanto, não deveria se submeter às normas gerais, ou seja, à lei e à Constituição. Ou seja, uma declaração de suspensão da ordem jurídica em nome do combate ao inimigo”, afirmou.

E completa: “O que parece estar ocorrendo na América Latina é uma substituição da farda pela toga. Esse estamento representado pelas carreiras públicas que compõem o sistema de justiça traz um pouco daquela imagem que os militares tinham, uma imagem de pureza, de ausência das impurezas da política”.

Autor do livro “Autoritarismo e golpes na América Latina – Breve ensaio sobre a jurisdição e a exceção”, Pedro Serrano participou de um debate, em Porto Alegre, com a professora de Filosofia, Marcia Tiburi, sobre autoritarismo e fascismo no século XXI.

O livro é resultado de uma pesquisa do jurista que identificou como são implementadas, na América Latina, medidas de exceção dentro da democracia. Ele conta que iniciou essa pesquisa em 2007. “Antes disso, já me interessava o tema do Judiciário e da jurisdição em relação a esse tema da exceção. Apesar de vir da área do Direito Constitucional, estou trabalhando hoje, no Mestrado da PUC-SP, com Teoria da Decisão Jurídica. Pesquisando sobre esse tema, deparei-me com a possibilidade de a exceção ocorrer em uma decisão judicial. Neste caso, teríamos uma decisão judicial que, a título de aplicar o Direito, suspenderia o mesmo em nome do combate a um determinado inimigo”, salientou.

“A figura da medida de exceção é antiga, não só na América Latina, como na história humana. A presença desse tipo de medidas em regimes democráticos não é nova. O que ocorre hoje é que ela passa a ser estruturante, passa a ser um modo para produzir autoritarismos na democracia. O Judiciário sempre teve um papel conservador, exercendo uma certa tutela dos interesses das elites em praticamente todos os países do mundo. O que é interessante, no caso da América Latina, é que ele passa a ter um papel novo na sua história, assumindo a condição de uma espécie de poder moderador, um controlador da democracia para garantir que ela não extravase seus limites. Esse tipo de mecanismo de controle sempre existiu na história humana”, afirma.

Serrano desta o caráter político das ações judiciais que tem influenciando a economia e todos os ambientes da vida. “Moro é um dos agentes desse processo. A maioria do Judiciário e do Ministério Público adere a essa visão. Acham que Direito Penal é uma forma de política pública, uma forma de governar a sociedade, o que é um equívoco”, reforça.

O jurista destaca que, por enquanto, as ações têm se concentrado num determinado grupo político. “Até esse modelo se esgotar, a tendência dele é se expandir, atingindo a vida de muito mais gente do que está posto hoje. A questão não é o Lula só, mas sim o que vem depois do Lula. Nós teremos um processo penal de exceção. Isso vai virar um hábito na sociedade brasileira. Já está sendo construída legislação para isso como as tais propostas contra a corrupção”, sublinhou.

Para Serrano, a esquerda não deve ter a ilusão de que, tratando os ricos com a exceção, isso vai de alguma forma beneficiar os pobres. “Defender isso é defender a universalização da injustiça. Ao invés de universalizar os direitos fundamentais, estamos universalizando a injustiça que atinge a população pobre. Isso só piora a situação do pobre que vai enfrentar um tratamento ainda mais punitivista e violento”, disse.

Por outro lado, ele ressalta que a direita não pode ter a ilusão de que o autoritarismo extremo vai resultar em ordem. “A história mostra que do autoritarismo extremo vem o caos. Creio que só esses elementos de caos, que o autoritarismo traz, é que vão fazê-lo ceder. Na hora em que a sociedade sentir os elementos caóticos que vão surgir na vida econômica, política e social, ela vai começar a reagir. Mas até isso ocorrer, creio que haverá um movimento expansivo da exceção”, frisou.