Ex-ministro Eugênio Aragão critica condução da Operação Lava Jato

Em passagem por Fortaleza para participar do 2° ato pela Legalidade Democrática, na última quinta-feira (17), o ex-ministro da Justiça, na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Eugênio Aragão, analisou o cenário político nacional.

Eugênio Aragão

Ele fez diversas críticas à condução da Operação Lava Jato e chamou as Dez Medidas de combate à corrupção, encampadas pelo Ministério Público e que tramitam na Câmara dos Deputados, como “populismo”.

Trechos da entrevista

Em 2012 o senhor publicou um ensaio com o título “O Ministério Público na encruzilhada”, no qual já alertava para os perigos que rondam a atuação do MP, citando os excessos e um corporativismo desmedido. O senhor acha que nos últimos tempos a situação se agravou na medida em que procuradores negociam dentro do Congresso Nacional pontos do texto do projeto de lei que reúne Dez Medidas de Combate à corrupção?

Como esse corporativismo nunca foi freado, bem pelo contrário, ele foi cevado pelo PT e pelo governo, na medida em que admitiu a lista corporativa para procurador-geral da República, é claro que ali se tornou mais ousado.

As Dez Medidas que o Ministério Público propõe têm tudo menos a iniciativa popular. Foram dez medidas gestadas dentro de um pequeno grupo da procuradoria, sequer trocando ideias com colegas de outras áreas, e levado adiante com uma propaganda, uma publicidade institucional enorme. Isso é uma iniciativa institucional ou popular?

Porque se for uma iniciativa institucional existem vários outros meios do MP trabalhar de forma mais séria, e não fazer esse tipo de populismo. Porque essas dez medidas prometem o impossível, prometem que se vai acabar com a corrupção no Brasil. Isso é puro populismo.

Claro que não se vai acabar com a corrupção no Brasil. Corrupção não se acaba, corrupção se controla, em níveis que não sejam disfuncionais para a sociedade. O que na verdade se está fazendo ali é cortar garantias fundamentais dentro do processo penal.

O senhor afirma que o MP é visto pelos administradores públicos como um “risco à governabilidade”, pois os ameaçam com a Lei de Improbidade Administrativa. O que está acontecendo hoje no País, como o envolvimento de políticos em desvios, não daria razão ao MP?

O MP infelizmente, até por uma questão de formação dos procuradores ou deformação, na maioria das vezes não está interessado em resolver problemas que são apresentados pelos gestores. Ele está mais interessado em achar um culpado por certos desvios na gestão que muitas vezes são frutos de desconhecimento das regras de gestão pública. Hoje nós podemos dizer que mais de 90% dos municípios brasileiros têm problemas na área de contabilidade pública, problemas sérios. Mas a grande maioria desses problemas é por falta de conhecimento das prefeituras, das equipes municipais com essas regras. É a falta de treinamento.

A Lava Jato tem sido um fio de esperança para grande parte dos brasileiros que almeja o combate à corrupção. Quais fatores levam um ex-ministro da Justiça a se tornar um dos grandes críticos da Operação?

Desde que deixei o Ministério, estou vendo a Operação Lava Jato apenas pelas luzes da ribalta. Eu não tenho acesso a processo nenhum, mas a gente lê o que estão fazendo. Power point, colocando Lula como o capeta do capeta, não é isso? Ações espetaculares… Hoje (quinta-feira, 17), de manhã mesmo o ex-governador Sérgio Cabral preso sob os flashes da Globo News… Isso é tudo extremamente grave porque fere a presunção de inocência das pessoas, fere o devido processo legal, prejudica substancialmente seu direito de defesa porque o juiz acaba ficando sob a pressão da opinião pública. Então, é uma forma de se lidar com o problema da criminalidade de modo pornográfico, expondo as entranhas. E eu acho que isso daí, realmente, é um problema muito sério que estamos enfrentando na cultura judiciária e vai se ameganhando. Cada operação dessa parece um show do Ratinho, e as instituições perdem em seriedade.

Nos últimos dias houve invasão à Câmara dos Deputados, bate-boca no STF e protestos às medidas austeras do governo do Rio de Janeiro. O senhor identifica saídas para um País em ebulição?

Eu tenho avaliado como decorrência de uma campanha sistemática de disseminação de ódio que o País tem sido alvo desde a ação penal 470. Nenhuma sociedade aguenta 13 anos de bombardeio de discurso de ódio. Essa sociedade acaba ficando intoxicada porque a grande maioria das pessoas não sabe ler notícia de jornal. Notícia de jornal nunca se pega pelo seu valor de face. Para você entender uma notícia você tem que saber a história que está por trás da notícia. Por que foi esse jornalista que escreveu? Por que usaram esse lide? Por que puseram esse título na matéria? São perguntas que você tem que fazer, porque notícia de jornal é que nem jabuti em cima da árvore, não sobe sozinho, alguém colocou lá. Mas a maioria das pessoas não se questiona disso. Nós estamos numa sociedade que está intoxicada pelo negativismo. Esse negativismo disseminado dentro da sociedade faz com que a sociedade fique num permanente estado de choque e fique assistindo passivamente ao desmonte do Estado, desmonte do patrimônio nacional, desmonte do nosso futuro, do futuro dos nossos filhos. Um pai assassinando seu filho porque ele estava fazendo parte de ocupação de universidade, senadores que passam com seu carro oficial em cima de manifestante… Isso tudo no mesmo dia, é assustador. É um cenário assustador, a degeneração da nossa
cultura política.

A aprovação do processo de impeachment intensificou essa ebulição nacional?

O impeachment foi uma das pedras no caminho, teve outros episódios, teve a própria Lava Jato, teve a ação penal 470, teve as manifestações de 2013. Ou seja, é uma atitude sistemática de desconstrução de um projeto nacional. E, agora, nós estamos vendo onde eles queriam chegar. Não é na ponte para o futuro, é na pinguela para o passado, que é o desmonte de tudo o que a Petrobras significa em termos de vanguarda tecnológica da nossa indústria nacional. É a prisão do pai do projeto nuclear brasileiro, Almirante Otto, a quem se deu uma pena maior que a de Suzane Richthofen, que matou os pais. Suzane Richthofen levou 39 anos e o Almirante Otto, que é o pai da energia nuclear brasileira, levou 43 anos. É um momento de delírio.

Muito se fala na falta de legitimidade de Michel Temer (PMDB) para governar o País. Na avaliação do senhor, esse é, realmente, o maior problema do presidente que assumiu o comando do País após o processo de impeachment?

Michel Temer assumiu o poder dentro daquilo que nós podemos chamar de um engodo, atribuindo-se à presidenta algo que ela não fez, algo que o Tribunal de Contas da União nunca considerou como algo errado, ilícito, e transformaram isso em crime de responsabilidade para tirá-la do lugar dela onde foi eleita por 54 milhões de votos. E depois de consumado esse golpe contra ela, que é um golpe no sentido de uma ruptura política e também no sentido de 171, uma trapaça, depois disso tudo, cinicamente esses mesmos atores falam ‘não, ela não foi destituída pro crime de responsabilidade, foi porque ela não aceitou o projeto ponte para o futuro’. Ora bolas, claro que ela não aceitou, ela não foi eleita para isso. Nem o senhor Michel Temer, na chapa da presidente Dilma, foi eleito para isso que ele está fazendo hoje. Então, tem um duplo problema: primeiro que Michel Temer não foi eleito para derrubar a cabeça de chapa. Isso já é uma distorção. Em segundo lugar, ele não foi eleito para ditar à cabeça de chapa o que deveria ser feito. Agora, temos que reconhecer que esse problema todo tem um ruído de comunicação enorme que existiu na parceria entre o PT e o PMDB. Se misturou água com óleo. Os projetos são incompatíveis. O PMDB é um partido que se serve da gestão para distribuir premendas. Enquanto o PT, querendo ou não fez muitos erros, mas é um partido sério que tem um programa de projeto nacional, tem uma militância que controla as instâncias do partido, é um partido construído internamente de forma democrática, não é um partido de caciques como é o PMDB. Não é um partido patrimonialista como é o PMDB. Então a gente vê que são duas coisas que não se misturam. É o Brasil velho, que vem desde a velha República, e o Brasil que se quer modernizar, incluir, se colocar no conserto das nações como um País avançado, desenvolvido.