Lu Castro: Para que o Japão deixe de ser uma triste lembrança

Na manhã desta quinta-feira (24), a seleção brasileira Sub20 foi eliminada do Mundial da Papua Nova Guiné em jogo contra a seleção japonesa pelo placar de 3 a 1.

Por Lu Castro*

Cartaz da Copa do Mundo Sub-20 feminina na Papua Nova Guiné

A partir de 2013/2014, as seleções femininas passaram a receber mais atenção da CBF, penso que muito mais por pressão da FIFA, já que uma série de mudanças começaram a acontecer com futebol feminino mundial e com lideranças femininas na entidade colocando na mesa as condições do futebol das mulheres pelo mundo. Logo a pressão chegaria por aqui.

Lembro que ao final de 2014 ouvi, em conversas de bastidores, que o dinheiro do legado da Copa – o percentual que cabe para desenvolvimento do futebol feminino– só seria liberado com forte fiscalização da FIFA sobre a CBF. De alguma forma atitudes foram tomadas e o investimento nas seleções de base e principal aumentaram: mais convocações e tempo de treino para a Sub17 e Sub20, e, a criação da seleção permanente.

Um pouco de estatística

A última vez em que as meninas da Sub20 passaram às quartas-de-final, foi em 2008. Antes disso, nos anos de 2002, 2004 e 2006, a seleção brasileira sub20 chegou às semifinais, 4º lugar e 3º, respectivamente.

Mal comparando, são resultados muito mais expressivos que os mais recentes e, curiosamente, antes de um aporte considerável de recursos, inclusive de tempo de treino.

Levantamos os dados para nossa roda de conversa no Barão de Itararé, no dia 24 de outubro, com a presença da ex-capitã da seleção e comentarista da ESPN, Juliana Cabral, a jornalista Roberta Nina, do Dibradoras, e o técnico do Centro Olímpico, Jonas Urias. E ficarei apenas nos números da seleção sub20, para não enfastiar o leitor.

Participações, colocações e gols da Sub20:

2002/Canadá – Semifinal – 16 gols pró / 8 gols contra em 4 vitórias e 2 empates
2004/ Tailândia – 4º lugar – 10 gols pró / 9 gols contra em 4 vitórias e 2 derrotas
2006/Rússia – 3º lugar – 4 gols pró / 1 gol contra em 2 vitória, 3 empates e 1 derrota
2008/Chile – 4ªs de final – 11 gols pró / 2 gols contra em 3 vitórias e 1 derrota
2010/Alemanha – 1ª fase – 5 gols pró / 3 gols contra em 1 vitória, 1 empate e 1 derrota
2012/Japão – 1ª fase – 2 gols pró / 4 gols contra em 2 empates e 1 derrota
2014/Canadá – 1ª fase – 2 gols pró / 7 gols contra em 2 derrotas e 1 empate
2016/Papua Nova Guiné – 4ªs de final – 12 gols pró* / 8 gols contra em 1 vitória, 1 empate e 2 derrotas

*Teve muita sorte em estrear contra as anfitriãs, que permitiu a construção de um placar mais que elástico: 9 a 0.

Resultado prático: Nenhuma conquista

Em todas as mais importantes competições – e aí eu digo mundo e não América do Sul– as seleções femininas mostraram o mesmo padrão: sem padrão.

A eliminação das meninas da sub20 foi o que restou do trabalho de uma coordenação técnica que mais teve recursos para trabalhar e mais falhou em termos de resultados.

O pecado capital do investimento mal aproveitado foi, em razão de um “padrão sem padrão”, deixar nossa maior atleta se aposentar sem a chance de colocar mais uma medalha olímpica no peito.
Não, não foi do jogo! Foi uma partida lamentavelmente horrorosa diante do Canadá. Imperdoável! Assim como não foi do jogo a apatia da seleção sub20 diante do Japão.

Preciso de atletas para a seleção. Onde as encontro?

Mais um ponto importante para abordar, é a formação das seleções de base. Competições oficiais não existem. Reforço que a mais longínqua tem sido a Taça São Paulo de Futebol Feminino de Base, que acontece desde 2007 e na qual competem equipes com as categorias sub13, sub15 e sub17 do estado de São Paulo.

O Ministério do Esporte – antes da chegada do dono do “helipóptero” como Secretário Nacional de Futebol– organizou a Liga Sub20. Algumas competições aconteceram em parceria com a CBDE e CBDU, mas não tiveram continuidade graças ao desserviço dos novos ocupantes da pasta.

Como se forma uma seleção sem que existam competições em que atletas possam ser observadas? Como podem existir atletas com algo além de talento – o que implica alimentação adequada, avaliação e tratamento médico adequado, estrutura eficiente que permita treinamento diário, entre outras necessidade– se tudo é deficitário no universo da modalidade no país?

Não bastam seletivas como prova de boa vontade e esforço para agregar meninas de todos os cantos do país à seleção. As condições físicas – pra dizer o mínimo– são completamente distintas e a região de São Paulo acaba se destacando. Cito o caso do Centro Olímpico que só nesta competição mandou 5 atletas, sem contar que é o formador da Gabi Nunes, hoje no Audax/Corinthians. Sim, temos outros clubes, mas tomo o COTP como argumento pela quantidade de atletas cedidas para esta competição.

Poucos são os clubes que se destacam com o trabalho de base e isto é um delimitador perverso na formação da seleção e na busca por mais meninas que, espalhadas e perdidas por aí, certamente formariam uma “seleção expressinho”. Seleção não é para colocar atleta em ordem, é para formar a melhor equipe com as melhores atletas do país para chegar nas competições internacionais e arrepiar as adversárias! Temos material humano pra isso, poxa vida!

Some-se à necessidade de tapar esta brecha, a urgência de colocar à frente das seleções, alguém com sensibilidade e coerência para entender os limites de seu cargo, além de ampla e comprovada vivência na modalidade sem os vícios e vaidade que nada somam, apenas atravancam o caminhar do futebol feminino brasileiro.

Teremos até o ano de 2019 – quando a França sediará a Copa do Mundo– um calendário com datas FIFA para amistosos e competições qualificatórias. Que seja tempo suficiente para implementação de um calendário de base com abrangência nacional e bom aproveitamento para a Copa e ciclo olímpico. Quem sabe o Japão se converta em sorte e deixe de ser a razão de algumas tristes lembranças?