Leandro Iamin : A Rua Javari é um saco

Luiz Fernando Bindi, amigo geógrafo, dono de texto e sensibilidade raras e de um rombo de saudade em meu coração, era desses torcedores de verdade do Juventus. E quando digo “de verdade”, não o comparo aos que só tem o Moleque Travesso como clube – estes poucos e adoráveis e necessários seres na contramão da cidade -, mas àqueles que são capazes de se emocionar na Rua Javari e levar esta emoção até o travesseiro, lá pela meia-noite.

Rua Javari futebol Juventus

Boa parte do público eventual do estádio juventino não carrega nem a dor nem a delícia para fora do bairro. Ok, talvez a delícia, com filtro de fotografia e uma mente livre de culpa. Vai ao planetário, não ao estádio. Descola-se do mundo real para experimentar um ácido do bem. Consome, sem contrapartida, o capital intangível do clube paulistano que mais conseguiu preservar o que sempre teve de essencial.

Pois a essência do Juventus é essa coisa pequena, mesmo. O futebol moderno, cantado em ódio pela sua torcida, está matando o futebol, não o clube grená, que nunca foi uma de suas vítimas preferenciais. Nunca foi campeão paulista nos anos, sei lá, 20 ou 30, não era um império que definhou graças a forças ocultas de uma nova Era, e sua figura hoje raquítica não é diretamente ligada ao colapso moral, estético e econômico do futebol.

O Juventus é vítima de sua cidade, célula esquizofrênica que subverte o bairrismo necessário olhando para uma globalização distópica e transforma grafiteiro em pichador. Em um ambiente saudável, seria o Moleque Travesso um entre cinco, ou sete, talvez nove clubes nanicos na cidade, besuntados de autoestima e temperos próprios – no sentido figurado, não essa chatice de canoli.

Bastava três ou quatro mil abnegados, e outros, vá lá, cinco mil torcedores de fato e uns outros 10 mil adeptos por morar no mesmo bairro. 4+5+10, 19 mil pessoas no universo de um time, em camadas distintas de apoio. Multiplicando por cinco, dá quase 100 mil. Ou seja, bastava 1% da cidade resistir ao trio-de-ferro e ter um time pequeno para fazer viver, e teríamos uma outra textura futebolística na cidade, com outras cores vivas. Não haveria de ser difícil em uma cidade sã. Buenos Aires, com toda sua política pró-superclasico, tem muito mais que isso.

A matemática não estava nos planos do escriba, mas a filosofia sim. O Juventus enfrentou o Corinthians pela semifinal do torneio de jovens mais inchado do Brasil, uma feira de pequenas negociatas impossível de ser assistida. A Rua Javari lotou nas quartas-de-final. Luca, o filho do nosso Xico Pati, enfim conheceu um estádio, e foi o do Juventus nessa Copinha. Por que a simpatia e o pertencimento nunca são mais fortes que uma especulação sobre o Drogba? O que falta para esta camisa ser mais que simpática-mas-sem-intimidades? Isso não diz mais sobre a cidade que sobre o futebol? O Juventus na Javari em uma jornada de exceção com arquibancada de raiz é o domingo de sol, sem garoa, de uma gente viciada em tédio e em segunda-feira.

E que o juventino não seja nem pareça simpático ao visitante que acha que é mandante, consumidor acrítico sem semancol. Torcer é o ato de identificar-se, ninguém atura jogador babaca porquê (quase) ninguém se enxerga como tal, e se não der para entender que torcer para o Juventus é uma frustração, uma merda, uma rotina de jogos horríveis e times medonhos e jogadores com pressa de ir embora e angústia com o que o time pode ser e não é, então não deu para ter uma “experiência de futebol de raiz”. Ou vive-se o Juventus com pacote completo, ou é melhor ir para a Arena Corinthians.

E o futebol é isso, mesmo, mais jogos bons que ruins, mais times fracos que fortes, mais jornadas frustradas que campeãs. São Paulo é que tentou ser diferente e só ter time bonitão, inteirão, times-nações para milhões. Nem time médio tem vez. Vinte anos atrás a Portuguesa era finalista do brasileirão, e hoje está para perder o estádio. E daqui 20 anos, qual gigante deixará de ser gigante?

Desse mal o Juventus não morre. Talvez o matem de outra forma, afogado em paternalismo barato por exemplo. Já é, salvo o Nacional da Barra Funda, um animal sem iguais de espécie para interagir. Mutilam o Juventus e o querem festivo na jaula do zoológico. É por isso que acho a Rua Javari, hoje, um saco.