Chico Science: 20 anos após sua morte, mangueboy é cada vez mais mito

No início da noite do domingo, no dia 2 de fevereiro de 1997, um Fiat Uno chocou-se contra um poste, no Complexo de Salgadinho, na divisa entre o Recife e Olinda. Francisco de Assis França, que estava sozinho, morreu no local. Uma hora mais tarde, tambores e clarins silenciavam em Olinda, que já vivia o Carnaval.

Chico Science - Divulgação

A consternação apoderou-se das duas cidades. Em Olinda ele nasceu e cresceu. No Recife fez-se famoso, ao liderar uma renovação na música popular brasileira, como não acontecia desde o tropicalismo, 30 anos antes. O manguebeat foi o primeiro movimento de alcance nacional surgido e difundido no país sem que seus agentes estivessem no Rio de Janeiro ou São Paulo. Chico Science gravara, com a Nação Zumbi, o primeiro disco, Da Lama ao Caos, há apenas quatro anos.

Afrocibederlia, o segundo álbum, chegou às lojas em 1996. O grupo fizera duas turnês internacionais, pelos Estados Unidos e Europa. Preparava-se para a terceira. A fama de Chico Science já havia ido além das fronteiras do país, era um nome emergente na world music. Seu necrológio no New York Times ocupou um quarto de página, assinado pelo editor de música Jon Pareles.

Chico Science foi velado no Centro de Convenções, por milhares de pessoas, incluindo entre estas o escritor Ariano Suassuna, então secretário de Cultura do Estado, que chorou publicamente ao reverenciar o cantor, que insistia em chamar de Chico Ciência. Mas uma dúvida pairava no ar.

Continuaria ele na memória do pernambucano com o passar do tempo? Vinte anos depois, pode-se afirmar categoricamente que o mangueboy está muito vivo no Recife e em Olinda. Não apenas por que a prefeitura batizou um túnel ou uma rua com seu nome. Mas, sobretudo, por causa dos fãs e dos artistas de rua. Graças aos grafiteiros a imagem de Chico Science está espalhada pelos mais diversos recantos, sob as mais diversas óticas e perspectivas. Em cada uma delas é explícita a admiração, a exaltação ao mito. Chico vive. Na Rua da Moeda tem, desde 2005 (uma escultura assinada por Demétrio Albuquerque).

As grafitagens representando Chico Science podem ser vistas na Via Mangue, em Boa Viagem, no Pina, em lugares ermos, ou bem movimentados. O chapeuzinho de pescador, popularizado por ele, óculos escuros, e as patolas de caranguejos são comuns a quase todas, porém não há um padrão. Os artistas plásticos anônimos dão vazão à imaginação. Pouco antes da entrada de Olinda, Science dá as boas-vindas em alemão, no Cais de Santa Rita. O grafiteiro pensou um Chico Science ecumênico, com traços das gravuras do Armorial e chapéu de cangaceiro. Em Peixinhos, berço de integrantes e ex-integrantes do Nação Zumbi, grafites de Chico Science decoram um muro inteiro do espaço cultural Nascedouro.

Curiosamente, não há indícios da passagem de Chico Science pela ONG Daruê Malungo, na Campina do Barreto, onde estão fincadas as raízes do manguebeat. Ali um dia, levado pelo colega de trabalho Gilmar Correa, o ainda Francisco de Assis França cantou pela primeira com um grupo chamado Lamento Negro, que fazia ijexá e samba reggae. Voltou trazendo um guitarrista, Lúcio Maia. A conselho do Mestre Meia Noite, que dançava com o Balé Armorial, foram incentivados a trocar o ritmo híbrido baiano pelo centenário maracatu pernambucano. O resto é história, mas que não está preservada fisicamente na casa que abriga o Centro de Educação Cultural Daruê Malungo.