UNE chega aos 80 anos e busca afirmar-se no cenário de crise

Nesta semana, cerca de cinco mil estudantes de todo o País estiveram em Fortaleza para a X Bienal da UNE. Programação de debates, manifestações culturais e formação política terminou com uma “culturata” na quarta-feira (1º).

Carina Vitral

No ano em que chega às oito décadas de existência, a União Nacional dos Estudantes (UNE) não é a mesma fundada em 1937, mas a “reinvenção” do movimento estudantil no País, citada pela atual presidenta da entidade, a estudante paulista Carina Vitral, para quem a entidade ainda tem muito papel a jogar no movimento social.

Estudante de Economia na PUC-SP, Carina Vitral conversou o jornal Diário do Nordeste, do Ceará, durante a X Bienal da UNE, que ocorreu em Fortaleza entre 29 de janeiro e 1º de fevereiro. O evento, promovido pela entidade máxima de representação estudantil do Brasil, reuniu cerca de cinco mil jovens na Capital, de acordo com a organização.

Antes do encerramento, marcado por uma “culturata” – passeata com viés cultural e político que percorreu ruas da Praia de Iracema e do Centro na quarta-feira (1º) –, ela refutou o argumento, espalhado por críticos do movimento estudantil, de que a UNE não tem mais a força que demonstrara em momentos históricos do Brasil, como na ditadura militar e no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

“Acho que em momentos de crise do Brasil é que a UNE cresce. Acho que é natural, em momentos de calmaria, a gente não conseguir sentir a importância das instituições, mas esse discurso caiu por terra nas ocupações. Porque a ocupação nada mais é do que o bom e velho movimento estudantil, e quem achava que ele ainda não estava mais vivo, que não existia mais, se surpreendeu com o tamanho da força”, menciona a estudante.

As ocupações citadas por Carina Vitral chegaram a 1.154 escolas e universidades federais em outubro de 2016, segundo levantamento da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) divulgado à época. Para ela, a mobilização é um dos exemplos de que, até agora, o movimento estudantil e o movimento cultural foram, dentre as forças de oposição ao Governo de Michel Temer (PMDB), os que “colocaram o Governo contra a parede” ao buscar meios de pressão que tentassem frear os retrocessos.

“Discordo veementemente dessa opinião de que a UNE não tem mais papel. A UNE tem muito papel, e eu acho que a UNE é o que há de melhor na esquerda brasileira, acho que é o que é o que há de melhor no movimento social, porque é o que há de mais arejado, de mais renovado”, acredita a presidenta.

Pluralidade

Ela ressalta, contudo, que, apesar da posição majoritária de esquerda da instituição, a UNE abriga pluralidade de estudantes na luta por direitos voltados à educação. “A gente se une, porque apesar de ter gente dentro da UNE que é base do Governo Temer, apesar de ter gente na UNE que é base da juventude do PSDB, do Democratas ou de vários partidos políticos identificados com a direita, a gente se une quando vai defender a educação, porque nem eles conseguem defender retrocessos que estão acontecendo na educação e na cultura”, afirma.

Mesmo com esse esforço para assegurar a pluralidade, há grupos que tentam questionar a atuação da UNE. A Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (ANEL), por exemplo, surgiu em 2009 sob a justificativa de que era necessário “reorganizar o movimento estudantil, já que a UNE e a Ubes há muito tempo não tocam mais as lutas”. O Movimento Brasil Livre (MBL), que nasceu na esteira do impeachment de Dilma, também tenta, com posicionamentos alinhados à direita, ganhar espaço em escolas e universidades.

Sobre o cenário de disputa, Carina Vitral diz que a UNE tem buscado pautar a defesa da educação para atrair jovens de diferentes matizes político-ideológicas, mas, apesar de reconhecer o surgimento de entidades como a ANEL, aponta que “a vida é muito difícil fora da União Nacional dos Estudantes”.

“A UNE tem a sua disputa real, é uma entidade que, no seu congresso, reúne 15 mil estudantes, então não é fácil competir. Tem que comer muito arroz com feijão para competir com a União Nacional dos Estudantes. E nós estamos de braços abertos sempre a abarcar todos que querem, de fato, lutar em defesa dos direitos estudantis”, reage.

Questionada se o apoio da UNE à candidatura de Dilma Rousseff nos segundos turnos de 2010 e de 2014 também teria, de alguma forma, prejudicado a imagem da entidade, que foi apontada como submissa ao governo, a presidenta da UNE pondera que o posicionamento, apenas quando dois candidatos estavam na disputa, levou em consideração a candidatura que mais defenderia a educação pública. Passadas as eleições, diz Carina, a UNE não compõe governo.

“Nós não somos governo, somos movimento social. E no primeiro dia da nossa gestão, a gente ocupou o Ministério da Fazenda, ainda sob a égide do Governo Dilma, para protestar contra o ajuste fiscal do (Joaquim) Levy (primeiro minstro da Fazenda do segundo governod e Dilma Rousseff). A gente, no segundo dia da nossa gestão, ocupou o Congresso Nacional para lutar contra a redução da maioridade penal. O congresso da UNE que me elegeu presidenta, por exemplo, foi em Goiânia, onde a Prefeitura é do PSDB, o Governo do Estado é do PSDB. Ou seja, a UNE se relaciona com todo tipo de governo de forma republicana, e isso não impede de criticar quando o governo erra, e de aplaudir quando o governo acerta”, argumenta.

Reformas

A mesma postura, sinaliza ela, é adotada pela entidade em relação ao Congresso Nacional. “A gente não vai dar descanso aos deputados e senadores porque é preciso entender que o Brasil tem três poderes, e todos são poderes políticos, que efetivamente mudam a vida das pessoas para bem ou para mal. Então é preciso que a população não dê descanso aos políticos para aprovar pautas que beneficiem suas vidas, e não que aprofundem desigualdades, a crise social e econômica que vive o Brasil”, declara.

Dentre as preocupações da entidade, cita Carina Vitral, estão as reformas trabalhista e previdenciária, além da Medida Provisória da reforma do Ensino Médio e a PEC 55, ambas já aprovadas. “A PEC 55 fere de morte o Plano Nacional de Educação, que foi a pauta que a gente lutou por dez anos. Toda a crise da Lava-Jato e todo o desmonte da Petrobras ferem de morte a nossa conquista de destinação dos royalties do petróleo para a educação, que era a principal fonte de financiamento dos 10% do PIB, então é um retrocesso muito grande, mas os estudantes vão estar em luta, resistindo em cada uma das universidades”.

No momento de crise institucional, inclusive, ela reconhece que a UNE olha para ex-membros que hoje ocupam espaços de poder na política institucional com “carinho e respeito”, apesar de não concordar com posições políticas ou condutas de alguns deles. O ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), por exemplo, foi presidente da UNE entre 1963 e 1964, durante a ditadura militar. O senador Lindbergh Farias (PT) ocupou o mesmo posto no biênio 1992-1993.

“O José Serra, por exemplo, é uma figura que toda a esquerda está muito em pé de guerra com seus posicionamentos. Ele foi uma pessoa que está à frente do desmonte da Petrobras e, inclusive, vazamentos do WikiLeaks mostravam que ele defende interesses de multinacionais petrolíferas e que tem um papel fundamental nessa história. Tem também a lista da Odebrecht, que trouxe nomes como esse, mas a gente respeita muito a história da UNE e o José Serra fez parte da história da UNEl”, diz.

Conservadorismo

Ao reconhecer, ainda, um avanço do conservadorismo entre jovens, ela acredita que o momento de crise institucional no País tem sido importante, porém, para desmistificar a ideia de que a juventude brasileira não gosta de discutir política.

“Pode não gostar da política institucional, mas passa o dia inteiro polemizando no Facebook sobre a política. Agora, falta formação política para conseguir aprofundar, por isso tenho muita expectativa de que a saída para a crise institucional seja através da política, porque só os políticos vão poder resolver essa crise, só os políticos vão poder fazer um pacto de elevar o nível da disputa. Não acabar com a disputa, a polarização, mas elevar o nível para que seja pedagógico para a sociedade”, sustenta.

Fique por dentro

História da entidade já soma 52 presidentes

A União Nacional dos Estudantes (UNE) nasceu no dia 11 de agosto de 1937, na Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, quando o então Conselho Nacional de Estudantes consolidou o projeto de criar a entidade máxima dos estudantes brasileiros. O primeiro presidente oficial da UNE, porém, foi eleito apenas dois anos depois, em 1939. Foi o gaúcho Valdir Borges. Hoje, Carina Vitral é a 52ª a presidir a entidade.

Segundo ela, duas pautas devem ser acompanhadas de perto pela UNE neste ano: a possibilidade de cobrança de mensalidades nas universidades públicas e as mudanças que o governo federal sinaliza no Prouni e no Fies. “A gente não sabe ainda exatamente o que é a proposta do governo. (…) A gente quer sentar numa mesa de negociação para defender os interesses dos estudantes, impedir que haja retrocessos”, diz.